Blog
Foto: Freepik / Fotomontagem Jornal da USP
Para pesquisador, bolhas digitais interferem na comunicação democrática
De acordo com Emerson Palmieri, da FFLCH, os algoritmos tendem a colaborar para a polarização política, mas o tema ainda precisa ser mais bem estudado
As redes sociais e a comunicação na era digital apresentam impactos ambivalentes: enquanto pesquisadores apontam para seus desdobramentos negativos, outros reforçam suas qualidades. A fim de explorar quais são os seus efeitos, o pesquisador Emerson Palmieri, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, realizou um estudo sobre a comunicação no espaço digital, bolhas digitais e contingência. A pesquisa foi elaborada a partir de uma revisão bibliográfica de diferentes teóricos, com a apresentação de diversos argumentos sobre a discussão. Além disso, foi utilizada a teoria de sistemas sociais do sociólogo Niklas Luhmann para abordar o conceito de contingência.
A contingência, de acordo com a teoria luhmanniana, diz que uma determinada escolha é feita levando em conta outras escolhas igualmente possíveis, chamando atenção para seu caráter de seleção construída, e não dada na natureza das coisas. Luhmann destaca a complexidade da sociedade moderna, composta de múltiplos sistemas que influenciam um ao outro por meio da comunicação, seja de maneira positiva (por meio de escolhas sobre atuar em um mesmo problema) ou negativa (por meio de escolhas que desencadeiam uma crise que começa em um sistema e se alastra pelos demais). Dessa maneira, a comunicação, com todas as suas turbulências, aparece como um mecanismo que, ao mesmo tempo, produz e controla sua própria contingência.
Contudo, Luhmann faleceu em 1998 e não viveu na era das redes sociais. Seus ideais não levam o fenômeno das redes em consideração, e a pesquisa busca realizar essa aproximação: é possível relacionar o pensamento luhmanniano com a comunicação no ambiente digital? De acordo com o pesquisador, não se pode dizer que a regulação da contingência é maior ou menor dentro da internet. A questão principal de Palmieri foi questionar se o meio limita ou não a discussão de ideias multiplurais, enriquecendo o debate democrático ou contribuindo para o isolamento político. “Eu sempre tive a impressão de que as opiniões dentro das redes eram muito truncadas, baseadas em coisas predefinidas. Elas nunca avançavam em termos de autocrítica ou de inovação, a gente fica ouvindo a mesma coisa”, explica o pesquisador ao Jornal da USP.
Neste sentido, as bolhas digitais se assemelham a uma câmara de eco: no ambiente digital, as ideias são difundidas apenas entre pessoas que detêm linhas de pensamento parecidas. “Elas são loopings comunicativos, que são criados pela repercussão de um mesmo tema ou conteúdo de um grupo”, destaca Palmieri. Esse ambiente gera uma falsa ideia de debate multiplural, já que a diversidade de pensamentos é inexistente – os usuários apenas estão interagindo com ideologias alinhadas a suas visões. De acordo com ele, esse cenário contribui para o empobrecimento do ideal democrático.
“As câmaras de eco apontam para o oposto dos ideais democráticos. Porque elas tendem a suprimir o diálogo, colocando cada um ali em sua zona de conforto e isolamento. É uma democracia triste, né?”
Metodologia
Ao realizar o estudo, Palmieri analisou conceitos como o de polarização política – muito empregado nos debates sobre as últimas eleições presidenciais, em 2022, para caracterizar a divisão do eleitorado brasileiro entre os dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto. Neste âmbito, o papel das redes sociais no agravamento desta situação é amplamente discutido. Muitos alegam que, em virtude dos algoritmos das próprias redes, bolhas digitais ideológicas foram criadas, desfavorecendo o debate de ideias.
O pesquisador destaca a multiplicidade de argumentos sobre o assunto. “Acredito que os pesquisadores concordem que existam bolhas, mas existem aqueles que vão ser mais céticos com relação ao seu impacto. Eles vão dizer que existe muito exagero nos efeitos que essas bolhas podem ter.” Ainda segundo Palmieri, as bolhas podem, sim, contribuir para a polarização política, já que o isolamento e afastamento de ideias divergentes mostram a determinação em não dialogar. “É uma posição de se fincar em algo predefinido, em que você se fecha a críticas e a sugestões externas de qualquer tipo.”
Palmieri buscou investigar essas diferentes perspectivas sobre as redes sociais e seus algoritmos, observando o caráter ambivalente da comunicação digital. “Como ponto positivo, é possível produzir conteúdo direcionado para o usuário, como o algoritmo da Netflix te recomendando séries parecidas com as que você acabou de assistir. Por outro lado, temos o escândalo da Cambridge Analytica, no qual foi exposta a utilização de dados de milhões de usuários no Facebook para fazer publicidade direcionada”, diz. Em 2017, a empresa Cambridge Analytica passou a ser investigada por uma possível influência nas eleições presidenciais estadunidenses, além dos resultados da votação pelo Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) por meio de anúncios pré-elaborados para determinados tipos de usuários.
Acerca da contribuição das redes sociais na disseminação de ideais extremistas, Palmieri afirma que o fator determinante é a presença maciça de grupos radicais no ambiente digital. “A meu ver, os ideais extremistas não se difundem por causa do isolamento. Geralmente grupos de extremistas são mais ativos nas redes, então acabam criando uma visibilidade desproporcional. Não acho que o isolamento em si contribua para o ideal extremista.”
O pesquisador conclui que não existem efeitos unilaterais da comunicação no ambiente digital. Ele destaca a complexidade do tema e reforça a necessidade de mais pesquisas que explorem o assunto. Sobre perspectivas futuras, o pesquisador almeja estudar duas hipóteses: a preexistência das bolhas antes do surgimento das redes sociais e a criação de bolhas baseada justamente no contato com ideias diferentes – a diversidade de conteúdo não seria necessariamente o que causa o isolamento digital. “Essa exposição de argumentos de cada um dos lados do debate é importante para mostrar como o tema está hoje. A principal contribuição de minha pesquisa é a interpretação teórica desses dados, que ainda é muito escassa nesse campo”, finaliza.
O artigo Social media, echo chambers and contingency: a system theoretical approach about communication in the digital space foi publicado na revista Kybernetes.
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.