Pandemia duplica contingente de trabalhadores vulneráveis no Brasil

Impactos econômicos da covid-19 ameaçam 81% da força de trabalho brasileira com risco de perder emprego e renda

 22/04/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 19/05/2020 às 18:10
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Os efeitos da pandemia de covid-19 sobre a economia colocam 81% da força de trabalho brasileira em situação de vulnerabilidade, com riscos de perda de emprego e renda. O número é muito superior ao percentual do período de março a meados de abril de 2019, quando 40% dos trabalhadores se encontravam em situação semelhante. Em números absolutos, agora são ao todo 75,5 milhões de trabalhadores no Brasil que enfrentam graus variados de vulnerabilidade, conforme indica um estudo da Rede de Políticas Pùblicas & Sociedade. “O resultado líquido da pandemia é a duplicação do contingente de trabalhadores que vivem sob riscos de saúde/epidemiológicos e econômicos”, afirmam os pesquisadores da rede em nota técnica divulgada na última sexta-feira (17).

Segundo Ian Prates, pesquisador do Cebrap e um dos autores do estudo, a vulnerabilidade dos trabalhadores foi calculada com base na estabilidade dos vínculos de trabalho, no desempenho econômico de diferentes setores durante a crise causada pelo novo coronavírus e a classificação do governo federal usada para definir cada setor como essencial ou não essencial durante a pandemia. “O tipo de vínculo é independente da crise, simplesmente mostra a relação dos indivíduos com o mercado, seja autônomo, empregado informal ou empregado com carteira. E a gente acrescentou a dimensão do tamanho ou porte da empresa, (se) são empresas menores, com menor capacidade de capital e de se manter no momento de crise”, explica Prates.

Gráfico: Rede de Políticas Públicas & Sociedade

Cruzando esses dados, os pesquisadores identificaram cinco grupos de trabalhadores com graus diferentes de vulnerabilidade, que pode se materializar na forma de uma demissão ou de atrasos nos pagamentos de salários, por exemplo. Na ponta extremamente vulnerável, estão 25,5% dos trabalhadores brasileiros que vivem de atividades em setores considerados não essenciais pelo governo federal e têm vínculos de trabalho instáveis. Neste grupo estão trabalhadores dos serviços domésticos, dos serviços de beleza, do comércio de vestuário, complementos, calçados e artigos de viagem, da manutenção e reparo de automóveis, e de atividades jurídicas, de contabilidade e de auditoria. Na outra ponta, de menor vulnerabilidade, estão os empregados em setores essenciais pouco impactados economicamente pela covid-19, incluindo hospitais, ambulatórios, supermercados, administração pública e Forças Armadas.

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Entre os dois extremos, está mais da metade da força de trabalho brasileira – 55,4% – em categorias de média vulnerabilidade. Há ainda 7,3% que fazem parte de um grupo de ocupantes de postos com vínculo protegidos que trabalham em atividades classificadas como essenciais, mas assistem a uma queda nos seus faturamentos e receitas devido à redução drástica da demanda, de problemas na cadeia produtiva ou dos impactos da pandemia no comércio exterior. É este o caso dos professores.

“Se essas pessoas têm CLT, principalmente os professores da rede privada, elas estariam em qualquer outro momento numa posição de estabilidade. Por exemplo, na crise de 2014, 2015, todos os setores estavam indo mal, em especial a produção ligada à construção civil e alguns setores industriais, e o setor de ensino e saúde estava andando de vento em popa. A demanda por educação e a demanda por saúde andavam mais ou menos constantes, ou até aumentando”, diz Rogério Barbosa, pós-doutorando do Centro de Estudos da Metrópole, um Cepid da Fapesp sediado na USP.

“Nesse momento agora, não temos uma crise econômica comum. Nós temos uma crise instalada por uma pandemia que é uma coisa totalmente diferente e a necessidade de tirar as crianças da escola para reduzir a velocidade do contágio era mandatória. Os professores pela primeira vez, a despeito do seu vínculo formal, estável tiveram então que se recolher. Era um setor completamente seguro e agora passa a não ser em função do covid-19”, completa Barbosa, que também é coautor do estudo.

A nota técnica também destaca que os impactos da covid-19 sobre o mercado de trabalho serão sentidos em todos os Estados brasileiros, de forma mais ou menos homogênea. “Os trabalhadores identificados como mais vulneráveis, seja em São Paulo ou no Maranhão, respectivamente o Estado mais rico e o mais pobre do país, estão igualmente sujeitos à perda significativa do emprego e/ou deterioração da renda nesse momento”, informa o documento.

Barbosa e Prates planejam atualizar semanalmente o panorama do mercado de trabalho e aumentar o escopo da pesquisa, investigando como indicadores de gênero e raça se relacionam com os riscos de perder o emprego e qual é o impacto dos números sobre as famílias – a primeira parte do estudo considerou apenas indivíduos, e não o acúmulo de desvantagens quando mais de um membro da mesma família perde o emprego, por exemplo. Este primeiro estudo se baseou em dados do IBGE, do Sebrae e de relatórios do Google sobre transações com cartões de crédito.

A Rede de Políticas Públicas & Sociedade é formada por pesquisadores da USP, do Cebrap e de outras instituições.

Acesse aqui a última edição do boletim na íntegra.

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