O que motivou o abate de visons na Holanda e Dinamarca?

Mutações do novo coronavírus foram detectadas nesse mamífero criado em fazendas para extração de pele

 19/11/2020 - Publicado há 3 anos
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Foto: Cadu Villela – Flickr /Reprodução -Fotomontagem/Jornal da USP

Os governos da Holanda e da Dinamarca iniciaram o abate de visons criados em cativeiro para evitar a disseminação de SARS-CoV-2 depois que vieram à tona casos de mutação do vírus pela transmissão desses animais para humanos no início do mês. A medida afetaria em torno de 15 milhões desses animais. Na última quarta-feira (18) a medida foi suspensa na Dinamarca com o abate de 10,2 milhões de visons, segundo o Correio Braziliense. O caso levantou a dúvida se a mutação do SARS-CoV-2 pode ou não comprometer a produção de vacinas pelo mundo. Luiz Gustavo Bentim Góes, pós-doutor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e colaborador da plataforma Pasteur-USP, traz o histórico do coronavírus para que possamos compreender sua interação com animais e humanos.

De onde surgiu o coronavírus?

Góes compartilha que existem diferentes coronavírus e a maioria causa doenças em animais, no entanto, sete tipos são conhecidos por causar doenças em seres humanos. Quatro deles causam resfriados comuns e três são coronavírus emergentes: o SARS-CoV-1, o MERS-CoV, responsável pela síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), e o SARS-CoV-2, agente infeccioso da covid-19. 

Durante a epidemia de SARS-CoV-1, em 2003, se verificou que alguns casos tinham ligação com os “mercados molhados”, como são conhecidos os locais onde se comercializa comida na China, como legumes, verduras e animais silvestres. “Foi uma grande surpresa verificar que os morcegos não só tinham uma grande diversidade de coronavírus, que não tinham relação com o SARS-CoV-1, como também coronavírus altamente similares ao SARS-CoV-1.” A descoberta de uma diversidade ainda maior de coronavírus presentes em espécies de morcegos de diferentes continentes fez com que o mamífero fosse reconhecido como o reservatório do vírus.

Ao contrário do que se imagina, a transmissão desses vírus para o humano não ocorreu de forma direta. Segundo Góes, os coronavírus com capacidade para infectar humanos chegaram através de hospedeiros intermediários. “Quando você olha o histórico evolutivo desses coronavírus que infectam humanos, eles têm no momento mais próximo, ou mais longínquo, uma relação com alguns coronavírus de morcegos.” 

A mutação encontrada em visons

Segundo Góes, vírus sofrem mutações naturalmente e com o vírus da covid-19 não é diferente. “O SARS-CoV é um vírus RNA e os vírus de RNA sofrem mutações a cada vez que são replicados e, nesse processo, ele acumula um erro ou outro no material genético que vai gerar uma mudança ou não de um aminoácido, mas a mudança de uma base nucleotídica já é caracterizada como uma mutação.” Citando uma pesquisa recente divulgada na revista Science, Góes explica que nesses países foi observado que pessoas infectadas com coronavírus transmitiram o vírus para os animais e houve a transmissão de volta para humanos. ”Quando um vírus pula de um hospedeiro natural para o humano chamamos de spillover e quando o vírus pula de volta para um animal silvestre chamamos de spillback. O que esse trabalho na Holanda verificou foi que não só os tratadores infectaram os minques e estes tiveram a capacidade de transmitir para outros minques de maneira eficiente, como também tiveram a capacidade de transmitir o vírus de volta para humanos.”

Como a mutação poderia impactar a busca por vacina?

Durante o processo de transmissão do vírus entre minques e humanos, houve mutações no gene Spike, a proteína usada pelo coronavírus para penetrar nas células e usada como base na produção de algumas das vacinas contra a covid-19. “Eles verificaram o surgimento de algumas linhagens que tinham mutações no gene Spike e para uma linhagem se verificou em ensaios de laboratório que as mutações na proteína Spike geraram uma perda da capacidade neutralizante dos anticorpos gerados contra o SARS-CoV-2 de infecções humanas naturais.”

Na análise de Góes, essa informação tem importância quando empresas farmacêuticas estão buscando a vacina contra o SARS-CoV-2 baseadas justamente na região da proteína Spike: “Se o vírus muda ali e você toma uma vacina e o anticorpo que você produz perde a capacidade de neutralizar essa nova linhagem viral que surgiu nos minques, isso coloca em risco a eficácia da vacina caso esse vírus dos minques sofra uma disseminação pelo globo ou por diferentes populações.” Em artigo publicado na revista Nature, cientistas comentam que as mutações provavelmente não colocarão as vacinas em risco, mas a rápida disseminação significa que os animais ainda precisam ser mortos.

A relação entre confinamento animal e zoonoses

O caso dos visons destaca como o confinamento de animais, principalmente em indústrias, colabora para a disseminação de forma rápida e efetiva de zoonoses. A busca por maior produção e o maior adensamento desses animais em um único espaço torna mais fácil a produção em termos econômicos, assim como também facilita a transmissão de microorganismos infecciosos. “Quanto mais perto um hospedeiro estiver do outro, mais rápido um vírus ou uma bactéria vai ser transmitido. Quanto mais se transmite, mais se multiplica, mais ele tem chance de mutar e mais ele vai causar doença, tanto na produção animal quanto elevar a probabilidade de que alguns desses microrganismos venham a saltar para seres humanos”, explica o professor Paulo Eduardo Brandão, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP.

Como prevenir o surgimento de doenças?

Para Brandão, a prevenção de novas doenças deve focar na preservação ambiental, visto que manter os ecossistemas naturais dificulta o contato de humanos com patógenos. “A preservação ambiental não tem só implicações em bem-estar animal, em manter o ecossistema funcionando. Existe uma justificativa sanitária para se preservar o meio ambiente: quanto mais se preserva, mais os ecossistemas naturais de animais que poderiam transmitir doenças para os seres humanos vão ficar preservados e mais nós ficaremos isolados desses possíveis velhos ou até novos patógenos.”

Ouça a entrevista  de Luiz Gustavo Bentim Góes, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, e Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia  (FMVZ) da USP, à repórter Gabrielle Abreu sobre a mutação do vírus SARS-CoV-2 encontrada em visons na Dinamarca e na Holanda. 


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