O relatório mostra o quanto a violência praticada contra homens e mulheres muçulmanos gera tristeza, depressão, ansiedade e várias questões psicológicas entre os adeptos do Islamismo no Brasil. Muçulmanas – Foto: Cátia Salvá – Flickr

Mulheres não nascidas muçulmanas, mas que decidem seguir o islã, sofrem mais preconceito

De acordo com o primeiro relatório sobre islamofobia no Brasil, as mulheres não nascidas na religião, mas que, ao longo da vida, decidem se tornar muçulmanas, são as principais vítimas, seja em espaços públicos e até, muitas vezes, dentro da família de origem

 30/05/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 01/07/2024 às 9:13

Autor: Por Brenda Marchiori

Arte: Simone Gomes

No Brasil, existem entre 800 mil e 1,5 milhão de muçulmanos, segundo a Federação das Associações Muçulmanas no Brasil (Fambras). Um dos principais problemas que essa comunidade enfrenta é a islamofobia, uma forma de preconceito e discriminação, seja por causa da religião muçulmana, seja também pela origem étnica, que ocorre de várias maneiras, de forma presencial ou via internet, em espaços públicos e privados. As mais vulneráveis são as mulheres, em especial, aquelas que nascem em outras religiões e depois decidem seguir o islã – denominadas muçulmanas revertidas. Esse preconceito ocorre, principalmente, em espaços públicos, mas, muitas vezes, a agressão vem da família de origem.

Os dados são de um levantamento nacional realizado pelo Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes (Gracias), da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, coordenado pela professora Francirosy Campos Barbosa, uma estudiosa do tema há mais de 20 anos. O resultado do projeto é o Primeiro Relatório sobre Islamofobia do Brasil, que deverá estar disponível para consulta nas próximas semanas. “A sociedade brasileira precisa compreender outras formas de pertencimento religioso e outras formas de ser e estar no mundo”, afirma Francirosy.  

Francirosy Campos Barbosa - Foto: Reprodução

Francirosy Campos Barbosa - Foto: Arquivo pessoal

Mapa nacional

A partir de um questionário on-line, o Gracias elaborou um mapa nacional com o objetivo de analisar se homens e mulheres muçulmanos enfrentavam as mesmas questões. A pesquisa, quantitativa e qualitativa, foi respondida anonimamente por 653 adeptos do islã, de Norte a Sul do Brasil, para mensurar quais perfis de muçulmanos sofrem mais islamofobia.

Os pesquisadores estabeleceram quatro categorias de pessoas que responderam o questionário: mulheres de origem árabe nascidas na religião; mulheres que escolhem seguir a religião (são as mulheres revertidas: para o islamismo, todos os seres humanos nascem muçulmanos, mesmo que dentro de outras religiões, porém, quando optam por seguir o islã, eles se tornam revertidos – e não convertidos); homens nascidos na religião e homens revertidos.

Mulheres revertidas: as principais vítimas 

A partir dos dados, foi possível concluir que “as mulheres revertidas são a categoria mais vulnerável de ataques islamofóbicos, principalmente no espaço público”, afirma Francirosy. Além disso, muitas vezes, essa agressão pode vir da própria família, que não compreende a escolha dessas mulheres, um fato que chamou a atenção dos pesquisadores. “Isso é um dado importante para a gente conseguir trabalhar, principalmente. As mulheres revertidas sofrem muita pressão familiar por conta da sua reversão e por conta da sua vestimenta.” 

Com esse levantamento, o grupo pretende desconstruir as generalizações a respeito do Islã. Segundo a professora, “há uma hijabfobia”, devido à aversão que a sociedade tem do hijab, um tipo de lenço usado por mulheres muçulmanas para cobrir os cabelos e muito associado à opressão, motivo pelo qual “também há muitas agressões, piadinhas e brincadeiras” que elas enfrentam. Segundo a professora, há, no País, um número grande de mulheres muçulmanas que tiraram o lenço porque não poderiam trabalhar com ele, lamenta. Já os homens muçulmanos, sejam nascidos ou revertidos, são, frequentemente, associados a terroristas.

O relatório também é uma forma de demonstrar “o quanto a violência praticada em relação às pessoas muçulmanas gera tristeza, depressão, ansiedade, várias questões psicológicas”. Por outro lado, diz Francirosy, é uma oportunidade para eliminar o desconhecimento sobre a religião e a discriminação de muçulmanos e muçulmanas. A professora ainda argumenta que é importante incentivar pesquisas sobre o Islã no Brasil e pensar em uma mídia que também traga pessoas muçulmanas para falar e se colocarem. “Todo o trabalho positivo que for feito vai trazer mais benefícios no sentido de que as pessoas não vão se sentir tão agredidas”, afirma. 

O relatório estará, em breve, acessível para todos. 

Mais informações: e-mail franci@ffclrp.usp.br, com a professora Francirosy Campos Barbosa

Ouça no player abaixo entrevista da professora Francirosy Campos Barbosa ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.

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