As medidas sanitárias adotadas para conter a disseminação da covid-19 reduziram efetivamente o número de internações por doenças respiratórias em crianças e adolescentes de zero a 16 anos de idade. Mas, se o registro de internações caiu, a letalidade aumentou três vezes entre esses pacientes em 2020, com destaque para a covid-19, que foi seis vezes mais letal que as demais doenças. A avaliação é de um estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP que analisou os dados disponibilizados pelo Datasus, o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, que coleta, processa e dissemina informações sobre saúde.
Responsável pelo trabalho, a pediatra Gabriela Marengone Altizani, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP, conta que analisou informações de janeiro de 2008 a março de 2021 com “o objetivo de identificar e analisar o comportamento da média diária de internações por infecções respiratórias em hospitais públicos do Estado de São Paulo”, referentes às crianças e adolescentes.
A pesquisadora conta que verificou uma gradual diminuição das internações por doenças respiratórias nessa camada da população nos últimos anos pré-pandemia do novo coronavírus, redução que associou às campanhas de vacinação contra influenza e pneumocócica conjugada (VPC10, que protege as crianças de doenças como pneumonia e meningite). Ela informa que o observado com o início das medidas sanitárias durante a pandemia, a partir de março de 2020, foi uma redução ainda mais acentuada dessas internações.
Letalidade da covid-19 e manutenção das medidas sanitárias
O professor Fábio Carmona, do Departamento de Puericultura e Pediatria da FMRP e orientador do estudo, diz que as crianças que adquiriram a covid-19 tiveram uma letalidade que não pode ser desprezível, mesmo que seja em menor número do que os adultos. “Crianças podem ter a forma grave da infecção, que pode se manifestar de forma um pouco diferente do que em adultos. Basicamente é uma reação inflamatória sistêmica, generalizada, que acomete as crianças e pode acarretar problemas em vários órgãos”, analisa o professor.
Para Carmona, os resultados do estudo revelam a importância de manutenção das medidas sanitárias uma vez que as pessoas possivelmente ainda vão conviver muito tempo com o coronavírus na forma de uma endemia. “Nós temos muitos outros vírus que nós já conhecemos e que causam morbidade e mortalidade, principalmente em crianças e idosos. Por isso é saudável manter várias das práticas que já foram incorporadas, como a higienização das mãos, uso do álcool gel e manter um certo distanciamento social. São precauções que podem ser tomadas em ambientes com grande número de pessoas,” afirma.
Infecções respiratórias e a mudança das férias escolares
As infecções respiratórias (IR) são um grupo heterogêneo que abrange várias doenças como síndrome gripal, infecção de vias aéreas superiores e até mesmo pneumonia, de origem viral ou bacteriana. “São muito prevalentes em todas as faixas etárias, principalmente na população pediátrica. O mais comum é o resfriado que, na maioria das vezes, apresenta sintomas leves como tosse, coriza, obstrução nasal e rinorreia que é o corrimento excessivo de muco nasal. Na maioria das vezes, são benignas,” conta Gabriela.
Um estudo britânico, continua a pesquisadora, aponta que as infecções respiratórias em pediatria são causa de um terço das buscas por consulta médica e que crianças saudáveis podem ter até dez infecções respiratórias por ano. “As infecções respiratórias mais comuns em crianças são as de origem viral, que acontecem, em sua maioria, no outono e início de inverno que, no estado de São Paulo, é no período de abril a julho,” diz.
É nesse período, segundo o professor Carmona, que ocorre o pico das infecções virais em crianças e adolescentes, sobrecarregando os prontos atendimentos e hospitais, fato que pode justificar a mudança das férias escolares. “Talvez, se nós déssemos as férias escolares nesse período, o número de infecções, de internações, de mortes e de dinheiro gasto pelo SUS, poderia ser muito menor”, sugere o professor, anunciando outros estudos que serão feitos com dados de 2022 e 2023 para conhecer como ficará a situação com o retorno normal às aulas. “Será que o número de infecções respiratórias vai voltar ao patamar de antes da pandemia?”, questiona, alertando que o resultado pode ser fundamental para se repensar o calendário escolar com a mudança de data das férias.
A pesquisa Medidas sanitárias para conter disseminação da covid-19 reduziram internações pediátricas por outras infecções respiratórias em São Paulo é o título da dissertação de mestrado da pesquisadora Gabriela Marengone Altizani, apresentada à FMRP no ano passado, com orientação do professor Fábio Carmona.
Ouça no player abaixo entrevista dos pesquisadores ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.