Laboratório da USP pode realizar 100 testes diários de coronavírus, mas recebe poucas amostras

Desde o início das atividades, em 23 de abril, foram processadas apenas 49 amostras. Problema é a falta de um insumo usado por profissionais de saúde para coleta de secreções de pacientes

 04/05/2020 - Publicado há 4 anos
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Cavidade Nasal SWAB Ilustração Cleber Siquette/Jornal da USP
O swab é uma espécie de “cotonete”, com longas hastes, usado por profissionais de saúde para fazer a coleta de secreções no fundo das fossas nasais e da garganta do paciente. Na ponta da longa haste, há um material sintético que absorve as secreções. É esse material sintético que está em falta em hospitais, impedindo a coleta e o envio da amostra para testes moleculares em laboratório da USP – Ilustração: Cleber Siquette/Jornal da USP

 

O Laboratório de Biologia Molecular Aplicada e Sorologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, em parceria com o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da Prefeitura de São Paulo, se uniram e conseguiram adaptar os equipamentos do laboratório, localizado na Cidade Universitária, na Capital paulista, e desde o dia 23 de abril já contam com capacidade para realizar 100 testes moleculares diários para covid-19 com amostras vindas de dez hospitais públicos da cidade de São Paulo. Mas a falta de um insumo usado no material de coleta  fez o laboratório receber apenas 49 amostras desde então.

Professor Paulo Brandão – Foto: Arquivo pessoal

O laboratório da FMVZ é coordenado pelo professor Paulo Brandão e integra a Rede USP de Diagnóstico da Covid-19 (RUDIC). A técnica usada é o PCR em tempo real (q-PCR), que, além de mais rápida em relação ao PCR tradicional, traz alta precisão, sendo capaz também de apontar a quantidade de vírus presente nas amostras.

Em entrevista ao Jornal da USP, Brandão conta que foi procurado pela bióloga Caroline Cotrim Aires, coordenadora de núcleo do Laboratório de Zoonoses e Doenças Transmitidas por Vetores do CCZ, com o objetivo de “ajudar a andar com a fila de diagnósticos”, visto que há poucos laboratórios fazendo diagnóstico molecular do coronavírus na cidade.

O professor cedeu espaço e os equipamentos do laboratório da FMVZ. O grupo conta atualmente com seis pessoas: o professor Brandão, um pós-graduando dele da FMVZ (Nelson Santana) e quatro pesquisadores do CCZ (Gisely Barone, Juliana Amorin, Adriana Menezes e Elder Pereira). A equipe é assessorada pelas técnicas de laboratório Sheila Silva e Sueli Miyagi. Em uma semana, eles adaptaram os equipamentos e treinaram o pessoal.

A ideia era receber 100 amostras de swab por dia, vindas de dez hospitais de SP. O swab é uma espécie de “cotonete”, com longas hastes, usado por profissionais de saúde para fazer a coleta de secreções no fundo das fossas nasais e da faringe do paciente.

Porém, desde o início dos trabalhos, no dia 23 de abril, até o fechamento deste texto, o laboratório havia recebido apenas 49 amostras – apesar de a baixa realização de testes ser um dos grandes problemas que o Brasil enfrenta atualmente para o combate da pandemia.

Falta de insumos

E o motivo para o recebimento de um baixo número de amostras, segundo o professor Paulo Brandão, é a falta de um dos materiais usados para coleta via swab. Na ponta da longa haste, há um material sintético que absorve as secreções. É esse material sintético que está em falta, segundo o professor, o que impede médicos e enfermeiros de coletarem as secreções para serem analisadas no laboratório.

“Eu liguei para uma das fábricas aqui no Brasil e eles disseram que pararam a produção e não sabiam quando voltariam porque faltava a matéria-prima, que vem da China e também da Itália”, informa o professor ao Jornal da USP. Segundo ele, é um material que está em falta em vários lugares e não apenas na cidade de São Paulo.

O swab é uma espécie de cotonete com longas hastes usado para coletar secreções no fundo das fossas nasais e da garganta do paciente – Foto: Arquivo pessoal/Paulo Brandão

Uma opção seria usar o swab com ponta de algodão estéril, material que já é usado para coleta em outros procedimentos médicos. Mas a substituição de um material pelo outro não é tão simples e precisa de validação. “Na Rede USP para Diagnóstico da Covid-19 está sendo discutida a viabilidade de se trocar por esse swab alternativo, mas leva-se um tempo até se concluir que pode ser usado para o coronavírus e não interfere nos testes”, explica o docente, lembrando que não há um prazo definido para isso ocorrer.

Na coleta via swab, o profissional de saúde introduz uma haste nas duas fossas nasais do paciente para coletar a secreção no fundo das narinas. Um outro swab é usado para coletar secreção da faringe (garganta). As duas hastes são colocadas em solução salina. No laboratório, essa solução é purificada para extrair o material genético do vírus, o RNA.

No PCR tradicional, coloca-se as amostras para análise durante duas ou três horas, depois elas são retiradas da máquina e em cada amostra é aplicada uma espécie de gel. Em seguida elas são submetidas a uma corrente elétrica para ver se aparece algum pedaço do RNA amplificado. Esse processo chega a levar 12 horas.

Rapidez e precisão

“Já na PCR em tempo real, nada disso é necessário. A bioquímica e o equipamento fazem com que cada molécula que é amplificada do genoma do vírus dê um sinal de fluorescência. O equipamento capta isso com um sensor e indica o número de cópias virais existentes. A cada novo ciclo de análise, ele vai aumentando e vai subindo uma curva. Então ele é muito mais rápido e muito mais automatizado”, explica o professor Brandão ao Jornal da USP.

O laboratório da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, em parceria com o Centro de Controle de Zoonoses, está apto desde o dia 23 de abril para receber amostras de hospitais de São Paulo. Com capacidade de 100 testes diários, foram realizados apenas 49 por falta de insumo usado em material de coleta nos hospitais – Foto: Arquivo pessoal/Paulo Brandão

“Chama-se tempo real, porque você vai vendo a reação acontecendo no andar dela. Quanto mais fluorescência, mais RNA de vírus. Quanto mais vírus tiver, mais cedo vai aparecer esse sinal”, diz o professor. Esse processo é bem mais rápido que o PCR tradicional. Da recepção da amostra até o resultado final gasta-se cerca de cinco horas. Outra vantagem é que, por ser mais automatizado, é menos sujeito a falhas.

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Apesar de ter como vantagem a precisão para detectar o vírus, sendo possível até indicar o quanto dele há na amostra, Brandão lembra que é uma técnica que necessita de laboratórios específicos, insumos e pessoal treinado, além de todos os cuidados com a biossegurança no transporte das amostras da coleta até o destino final.

Na visão do professor Brandão, para a atual fase da pandemia no Brasil, o melhor seria a detecção do coronavírus via testes rápidos, que indicam a presença de anticorpos no sangue da pessoa. Esses testes não buscam o RNA do vírus, mas identificam se houve contato com ele e o organismo criou anticorpos. Semelhantes a testes que medem a glicemia ou mesmo testes de gravidez, os testes rápidos utilizam uma gota de sangue para saber se a pessoa teve ou não contato com o vírus.

O professor alerta que o resultado positivo dos testes rápidos não pode ser encarado como uma “imunização” contra o coronavírus. Outro problema é que, além de não haver testes rápidos suficientes no mercado, há muitas marcas disponíveis e nem todas têm a qualidade assegurada.

Diante desse quadro e da baixa testagem no Brasil, a disponibilização do Laboratório da FMVZ para realização de testes nas amostras vindas da rede pública de saúde de São Paulo é uma boa alternativa, mas que, infelizmente, está funcionando muito longe do esperado devido à falta de insumos.

Mais informações: e-mail paulo7926@usp.br, com o professor Paulo Eduardo Brandão


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