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Hormônio adiponectina reverte dano provocado por obesidade em células do pâncreas

Disfunção de células beta pancreáticas, responsáveis pela produção de insulina, está relacionada à ocorrência de diabetes tipo 2

 08/05/2023 - Publicado há 12 meses     Atualizado: 10/05/2023 as 15:55

Arte: Gabriela Varão

Cientistas mostraram pela primeira vez que a adiponectina, um hormônio liberado pelo tecido adiposo do corpo, é capaz de modular a secreção de insulina estimulada pela glicose e o fluxo metabólico em células beta pancreáticas. Estas células, localizadas no pâncreas, são responsáveis por sintetizar e secretar insulina e seu mau funcionamento está relacionado ao desenvolvimento de diabetes tipo 2. A adição de adiponectina restaura completamente a integridade funcional de células beta desreguladas após tratamento com plasma de doadores obesos, indicando que a disfunção é provocada pela falta do hormônio. A pesquisa foi realizada por Ana Cláudia Munhoz durante seu pós-doutorado, sob a supervisão da professora Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química (IQ) da USP e do Cepid Redoxoma. O estudo é descrito em artigo publicado na revista Aging Cell em 14 de abril.

“Esse trabalho abre portas para novas pesquisas focando na ação da adiponectina na célula beta, explorando mecanismos dos seus efeitos, por exemplo”, afirma Ana Cláudia Munhoz, primeira autora do artigo. “Essa foi uma resposta que a gente deu para nossa pergunta científica original, e que abriu um milhão de outras perguntas a serem exploradas em estudos futuros.”

A adiponectina é encontrada em níveis elevados em pessoas magras. No estudo, as pesquisadoras mostraram que a incubação de células beta com soro ou plasma de ratos e humanos obesos, comparação ao soro e plasma de ratos e humanos magros, dificulta dois processos. Primeiro, a fosforilação oxidativa mitocondrial – etapa do metabolismo que forma a molécula de ATP,  espécie de “combustível” que armazena energia para as células. E atrapalha também a secreção de insulina estimulada por glicose (GSIS). Elas mostraram ainda que a adiponectina sozinha, na ausência de soro, mantém a função das células beta e reverte os efeitos nocivos do plasma de obesos.

Para a professora Alícia Kowaltowski, esses resultados indicam um caminho específico para proteger as células beta e prevenir sua degeneração ligada à obesidade. “Isso significa que a gente tem grandes possibilidades de poder desenhar drogas no futuro que previnam a degeneração pancreática na obesidade. O efeito da adiponectina nesse modelo é tão grande e é tão reprodutível em diferentes modelos animais, que para mim traz muita esperança.”

Alicia Kowaltowski - Foto: Arquivo Pessoal

Alicia Kowaltowski – Foto: Arquivo Pessoal

Cerca de meio bilhão de pessoas vive atualmente com diabetes mellitus tipo 2 e esse número deve aumentar em 51% até 2045, na medida em que os índices de obesidade continuam aumentando e a população envelhece. O diabetes tipo 2 é uma doença crônica, relacionada à idade, que se caracteriza pelo descontrole da glicose no sangue, causado pela diminuição da ação da insulina, a chamada resistência à insulina, ou pela liberação inadequada dela pelas células beta pancreáticas, o que, por sua vez, leva também a esse quadro de resistência.

Adiponectina

As pesquisadoras já sabiam que o soro de animais em restrição calórica tinha efeito protetor para ilhotas pancreáticas, células beta primárias e linhagens celulares secretoras de insulina in vitro, a partir de trabalhos anteriores do grupo. A obesidade aumenta a incidência de disfunções relacionadas à idade, incluindo a desregulação das células beta, levando à secreção inadequada de insulina. “Nosso laboratório está há muitos anos interessado em mecanismos envolvidos em proteção de efeitos do envelhecimento associados a ser obeso ou não ser obeso. E restrição calórica é um modelo animal que previne a obesidade. Não é um modelo de ultra magreza”, ressalta Alícia Kowaltowski.

Elas haviam descoberto também que a incubação por apenas 24 horas com soro de animais moderadamente obesos alimentados à vontade levava a uma piora imediata no funcionamento das células beta, prejudicando a secreção de insulina. “Sabíamos que isso ocorria de forma independente de nutrientes, mas não sabíamos o porquê, quais fatores moleculares estariam envolvidos”, conta Ana Paula Munhoz. Elas tinham uma pista, no entanto: em células vasculares, o aumento da capacidade de transporte de elétrons mitocondriais promovido por restrição calórica estava associado à sinalização de eNOS ativada por adiponectina, que é um hormônio relacionado ao peso corporal.

A partir destes dados, as pesquisadoras investigaram o que acontecia com células beta incubadas com plasma de pessoas magras e obesas e com soro de ratos submetidos a uma dieta de restrição calórica de 60% em comparação com animais alimentados ad libitum, que com o tempo desenvolvem obesidade, resistência à insulina e outras características da síndrome metabólica. As amostras de plasmas de um grupo de homens e mulheres, magros e obesos, sem patologias, foram obtidas do biobanco criado pelos pesquisadores Vilma Martins e Tiago Goss, do A.C. Camargo Cancer Center. Um dado interessante foi que o plasma de mulheres, que têm níveis mais elevados de adiponectina, apresentou efeitos melhores do que o plasma de homens. As pesquisadoras também quantificaram esse hormônio nas amostras e realizaram experimentos com soro de camundongos nocaute incapazes de produzi-lo, fornecido pela pesquisadora Francielle Mosele, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Imagem do pâncreas de rato que permite a visualização das células que formam o órgão; no centro, em destaque, encontra-se uma ilhota pancreática, responsável pela produção dos hormônios controladores do nível de glicose no sangue – Foto: Eloisa Aparecida Vilas-Boas

As análises comprovaram que a adiponectina presente no sangue de ratos e camundongos magros, bem como no plasma de mulheres magras, estimula os fluxos metabólicos nas células beta. E, ao adicionar o hormônio isoladamente a células incubadas com plasma de doadores obesos, foi demonstrado que a adiponectina sozinha é capaz de anular completamente os efeitos nocivos do plasma obeso nas células beta. A adiponectina tem sido muito estudada no envelhecimento e na síndrome metabólica, com o uso de modelos animais e em observações populacionais. Ela atua nas células ligando-se aos receptores de adiponectina e modulando reações químicas necessárias para processos celulares. Também atua via hipotálamo para inibir o apetite e aumentar o gasto energético, promovendo a oxidação de ácidos graxos no músculo e no fígado e levando à perda de peso. No geral, estudos indicam que a adiponectina é um importante regulador do metabolismo energético em vários órgãos.

Resumo gráfico do experimento com a adiponectina realizado durante a pesquisa, preparado usando Biorender.com – Munhoz A.C, et al. Aging Cell. 2023 Apr 14:e13827., sob licença CC BY 4.0, Tradução: Jornal da USP

“Ainda há muito a ser estudado, pois a adiponectina é um hormônio misterioso. Seus níveis aumentam com a idade, mas aparentemente perdemos a resposta a ele, como acontece com a insulina e a leptina. A gente ainda não entende completamente a resistência à adiponectina, nem por que mulheres têm níveis mais elevados desse hormônio”, afirma a professora Alícia Kowaltowski. “Também há dados mostrando que a adiposidade [acúmulo de gordura] central diminui a adiponectina, mas mecanismos relacionados a sua produção e secreção ainda não são completamente compreendidos. O efeito robusto deste hormônio em células beta que descobrimos demonstra que devemos investir em entender seus efeitos melhor.”

O artigo Adiponectin Reverses -Cell Damage and Impaired Insulin Secretion Induced by Obesity, de Ana Cláudia Munhoz, Julian D. C. Serna, Eloisa Aparecida Vilas-Boas, Camille C. Caldeira da Silva, Tiago Goss dos Santos, Francielle C. Mosele, Sergio L. Felisbino, Vilma Regina Martins e Alicia J. Kowaltowski, pode ser lido aqui.

Da Assessoria de Comunicação do Cepid Redoxoma


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