Governança do lixo: Norte e Nordeste apresentam piores índices

Pesquisadores apontam relação entre governança de resíduos sólidos e indicadores socioeconômicos

 Publicado: 29/11/2024 às 7:50     Atualizado: 10/12/2024 às 10:02

Texto: Beatriz La Corte*

Arte: Joyce Tenório**

Como um todo, Brasil apresenta grau médio de governança de resíduos sólidos em uma escala que vai de muito ruim a muito alto, mas diferenças regionais são marcantes – Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Marcello Casal Jr./Agência Brasil via Wikimedia Commons e extraída do artigo

Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP desenvolveram o Índice de Governança Municipal de Resíduos Sólidos (IGMRS), buscando viabilizar um diagnóstico da situação entre os municípios brasileiros. A ferramenta evidencia a vulnerabilidade na governança de resíduos em regiões com baixos indicadores socioeconômicos: Norte e Nordeste apresentam baixos índices, enquanto Sul e Sudeste apresentam melhores resultados.

O índice criado fez parte da pesquisa de doutorado de Camila Sasahara. Ela explica que a governança e a gestão de resíduos são fatores relacionados, mas diferentes. Enquanto o primeiro engloba a política de tomada de decisões, transparência e envolvimento social, o segundo se refere à implementação e operacionalidade desse processo. 

A pesquisadora explica a importância da criação de um índice de governança: “É preciso investigar além dos aspectos operacionais. Queremos avaliar se há leis para a melhoria da gestão de resíduos sólidos, se a sociedade está participando e se o governo dá acesso à informação, para que as decisões sejam bem informadas”, explica Camila.

“Nosso objetivo era ampliar a discussão sobre os resíduos sólidos, contribuindo para o estudo da governança - através de um índice municipal ainda pouco avaliado no mundo acadêmico"

Mulher usando óculos e sorrindo
Camila Sasahara - Foto: Arquivo pessoal

Diagnósticos obtidos

O índice criado tem uma gradação de cinco níveis: muito ruim, ruim, médio, alto e muito alto. Aplicado em todos os 5.570 municípios brasileiros, o indicador mostrou que 26% destes apresentam nível médio de governança, 24% nível alto e 22% nível baixo.

Os pesquisadores observaram uma associação direta entre o Índice de Governança e o perfil socioeconômico dos municípios. Camila aponta que a titularidade da gestão de resíduos é municipal e que são necessários recursos financeiros e humanos para garantir a implementação efetiva das leis. Ela comenta que, apesar da alta qualidade regulatória do País, as condições para aplicar o arcabouço legal variam muito e evidenciam a desigualdade brasileira. Em nível regional, a situação não é diferente.

“A gente consegue ver isso no mapa: enquanto as regiões Sul e Sudeste têm os maiores índices socioeconômicos e de governança [de resíduos], o Norte e Nordeste têm os maiores desafios, como menor incidência de regulamentação jurídica [no âmbito da gestão municipal de resíduos sólidos] e eficácia na gestão municipal de resíduos, baixo acesso à informação governamental e falta de articulação integrada dos atores”, diz Camila.

O indicador é baseado em três pilares: Qualidade Regulatória, Voz e Accountability, e Eficácia do Governo. Grande parte dos municípios apresenta alta (31,5%) e muito alta (24%) Qualidade Regulatória. Em contraste, boa parte apresenta baixa Voz e Accountability (32%) e média Eficácia do Governo (27,8%).

Três mapas do Brasil, cada um com a aplicação do filtro de cada pilar, em ordem: Qualidade regulatória, Voz e Accountability e Eficácia do Governo – Imagens reproduzidas das do artigo

Em entrevista ao Jornal da USP, Sylmara Dias, orientadora da pesquisa, explica a importância do índice: “A partir deste instrumento, podemos ter dimensão do problema em diferentes escalas”. 

Sylmara Dias - Foto: Reprodução/EACH-USP

Em nível federal, o IGMRS propicia um panorama para atuação de Ministérios. Em nível estadual, o gestor visualiza o cenário dos municípios de seu Estado e orienta suas ações. Em nível municipal, o responsável pode desdobrar o índice em outras ferramentas e tomar decisões localizadas. 

“O gestor pode observar se está faltando um Conselho de Meio Ambiente ou um Plano de Gestão integrado, por exemplo. O índice fornece um diagnóstico de onde o governo deve direcionar suas ações”

Metodologia

“Nosso objetivo era ampliar a discussão sobre os resíduos sólidos e contribuir para o estudo da governança, que ainda é algo pouco avaliado no meio acadêmico”

O índice apresentado em artigo faz parte de uma série de publicações feitas pelo grupo de pesquisa. A equipe estuda a questão do lixo numa perspectiva interdisciplinar, e investiga desde a produção até o descarte e despejo no oceano. O grupo, coordenado pelo professor Alexander Turra, conta com a participação de gestores ambientais, oceanógrafos, veterinários, pedagogos e um engenheiro.

“Os problemas ambientais são multidimensionais, não adianta tentar combatê-los com só uma frente de conhecimento” , segundo Sylmara Dias, professora orientadora da pesquisa.

O estudo se baseou no Indicador Mundial de Governança, ferramenta adotada pelo Banco Mundial e reconhecida globalmente. Sylmara explica que esse parâmetro era fundamental para permitir a comparação entre o Brasil e outros países. Porém, na formulação do trabalho, os pesquisadores se preocuparam em adaptar o material ao contexto do Sul Global. 

As pesquisadoras apontam que o índice também pode ser utilizado por outras nações, especialmente as latino-americanas. “Os países do Sul Global apresentam uma série de características em comum, como a falta de dados disponíveis e a forte presença do sistema informal, à exemplo do trabalho dos catadores. Infelizmente, os números dessa produção não são bem registrados”, diz Sylmara. Ela afirma que a falta de dados é um desafio para a pesquisa.

A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC/IBGE) e o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) foram utilizados como base de dados para os estudos. Todos os municípios brasileiros têm a obrigação de declarar relatórios anuais sobre resíduos para a plataforma [SNIS]. Ainda assim, a pesquisadora aponta a fragilidade das informações: “Tem muita inconsistência, dados ausentes e errados”. Sylmara destaca as limitações da base de dados.

Camila aponta que os dados sobre a gestão municipal de resíduos sólidos, apesar de muitas vezes incompletos e inconsistentes, são mais comuns do que as informações sobre governança de resíduos e que os dados da MUNIC/IBGE são de melhor qualidade – e mais completos, tendo sido mais utilizados no estudo. Para a pesquisadora, além dos aspectos operacionais, é preciso também investigar a governança.  

O artigo “Municipal Solid Waste Governance: development and application of an index embodying the Global South context” está disponível on-line e pode ser lido aqui

Mais informações: e-mail camila.sasahara@gmail.com

*Estagiária com orientação de Luiza Caires
**Estagiária com orientação de Moisés Dorado


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