Fragmentos do coronavírus em água de esgoto afetam vida silvestre, mostram testes em animais

Exposição de girinos às proteínas do vírus levaram à produção de radicais-livres que danificaram células, além de problemas no sistema nervoso dos anfíbios

 04/02/2021 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 14/06/2024 às 17:16
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Em laboratório, pesquisadores sintetizaram fragmentos da proteína Spike (que o vírus usa para penetrar nas células) denominadas PSPD-2001; PSPD-2002 e PSPD-2003, e as adicionou na água onde os girinos estavam - Ilustração cedida pelo pesquisador

Pesquisa com participação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP identificou os efeitos de fragmentos do vírus da covid-19 presentes em águas residuárias na vida silvestre. Por meio de testes com animais, os pesquisadores verificaram que proteínas do vírus estimulam a produção de radicais livres, substâncias que causam danos às células do corpo, e também induzem a alterações no sistema nervoso. O trabalho foi feito por uma equipe liderada pelos pesquisadores Ives Charlie da Silva, pós-doutorando do ICB, e Guilherme Malafaia, do Instituto Federal (IF) goiano, em Urutaí (Goiás).

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Os resultados do estudo são apresentados em um preprint (versão prévia de artigo científico ainda sem revisão de pares) publicado no site bioRxiv em 13 de janeiro. O estudo avaliou se a presença de partículas virais nas águas poderia afetar a vida silvestre, utilizando como modelo experimental girinos da espécie Physalaemus cuvieri. “Tal espécie é conhecida popularmente como rã-cachorro e pode ser encontrada em biomas de diferentes países da América do Sul, como Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela e, possivelmente, Bolívia e Guiana”, diz Malafaia.

A intenção foi simular uma possível contaminação dos ecossistemas aquáticos, onde os girinos vivem, por águas residuárias contendo partículas do novo coronavírus. “Os humanos infectados liberam tais partículas junto das fezes e urina e, portanto, esgotos domésticos e hospitalares podem ser uma fonte de contaminação”, descreve Malafaia.

De acordo com o primeiro autor do trabalho, Ives Charlie da Silva, a forma clássica de transmissão do vírus SARS-CoV-2 é pelo ar e via contato com pessoas infectadas. No entanto, outros modos de transmissão têm sido investigados, devido à persistência do vírus no ambiente por algumas horas ou dias. “Uma dessas formas tem sido apontada por diferentes estudos que relatam a presença do SARS-CoV-2 em esgotos domésticos, oriundos especialmente de urinas e fezes de pessoas infectadas.”

Os girinos foram expostos a pequenas partes (peptídeos) de uma proteína do vírus SARS-CoV-2. “Essa proteína é chamada de spike e o vírus a utiliza para penetrar nas células humanas”, observa o pesquisador do ICB. “Em laboratório, nosso grupo sintetizou fragmentos dessa proteína, denominadas como PSPD-2001; PSPD-2002 e PSPD-2003, e as adicionou na água onde os girinos estavam.” Essa parte do estudo foi feita em parceria com o professor Eduardo Cilli, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – campus de Araraquara.

Alterações fisiológicas

A pesquisa observou que o contato dos girinos com os fragmentos proteicos, também chamados de peptídeos, por apenas 24 horas, foi suficiente para induzir a alterações fisiológicas. “Os girinos expostos aos peptídeos aumentaram a produção de moléculas chamadas radicais livres, as quais podem causar danos diversos nas células dos animais”, destaca o pesquisador do ICB. “Normalmente, nosso organismo produz substâncias, chamadas antioxidantes, para combater esses radicais, mas o sistema antioxidante dos girinos não foi suficiente para combater o aumento da produção de radicais livres.”

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“Sabe-se que as consequências biológicas do aumento da produção dessas substâncias podem ser variadas, incluindo até danos no DNA, e, nesse caso, novos estudos devem ser conduzidos. De todo modo, isso é um indicativo de estresse oxidativo causado pelos peptídeos do SARS-CoV-2”, ressalta Silva. “Em humanos já é conhecido que esse processo é induzido pelo novo coronavírus, mas em animais silvestres isso nunca tinha sido relatado.”

Além disso, foi verificado que os peptídeos afetaram a atividade de uma enzima muito importante para a transmissão de impulsos nervosos, chamada acetilcolinesterase.  “A diminuição dessa enzima pode danificar seriamente o funcionamento do sistema nervoso dos animais, o que também ocasiona danos variados”, aponta o pesquisador do ICB. “Nossos dados também evidenciaram que esses peptídeos podem se ligar a essa enzima e induzir alterações nas suas funções, o que provavelmente explica os resultados obtidos.”

Todas essas alterações foram observadas por meio de análises bioquímicas, em que reagentes químicos específicos foram utilizados. “Já a provável ligação dos peptídeos com as enzimas estudadas foi observada por meio de técnicas ligadas à bioinformática, considerada um campo interdisciplinar que corresponde à aplicação das técnicas da informática, no sentido de análise da informação, nas áreas de estudo da biologia”, conclui Silva.

O estudo é descrito no preprint An insight into neurotoxic and toxicity of spike fragments SARS-CoV-2 by exposure environment: A threat to aquatic health?, publicado no site bioRxiv em 13 de janeiro. O trabalho contou com pesquisadores de instituições de vários Estados do Brasil, incluindo pesquisadores do Departamento de Neurologia da Harvard Medical School (Estados Unidos) e da Nord University (Noruega).

Mais informações: e-mail charliesilva4@hotmail.com, com Ives Charlie da Silva


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