Fontes complementares de energia reduzem emissões de gás carbônico no transporte marítimo

Foto: Freepik

Combinação de fontes alternativas, como baterias e células a combustível, reduziu em cerca de 10% emissão de gás carbônico e consumo de combustível

 06/05/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 09/05/2022 as 16:51

Por: Redação

Arte: Simone Gomes

Os navios são hoje a oitava maior fonte de emissão de dióxido de carbono (CO2) no mundo e a meta da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) é reduzir até 2050 essas emissões em, pelo menos, 50% em relação a 2008. De olho nessa questão, um pesquisador da Escola Politécnica (Poli) da USP buscou alternativas para melhorar a eficiência energética de embarcações da indústria de petróleo e gás. Uma delas, que emprega fontes complementares de energia, entre as quais baterias e células a combustível, conseguiu uma redução de cerca de 10% tanto de CO2 como de combustível. O estudo é descrito em artigo publicado na Energies, revista científica internacional voltada à área de energia elétrica.

“O esquema proposto considera a adaptação do navio. Os geradores principais, originais da embarcação, são mantidos, mas, além disso, lançamos mão de fontes complementares de energia: geradores auxiliares, baterias e célula a combustível”, explica o engenheiro eletricista paulista Giovani Giulio Tristão Thibes Vieira, primeiro autor do artigo. “O principal objetivo do trabalho foi analisar qual é a configuração ideal do sistema de energia de um navio, levando em conta o uso de três tipos de baterias e células a combustível com tanques de hidrogênio de diferentes tamanhos. Em busca dessas respostas, avaliamos todas as possibilidades de combinação entre elas.”

O melhor resultado apresentado foi a combinação que reúne geradores principais e auxiliares, bem como uma bateria de lítio, óxido, níquel, manganês e cobalto com capacidade de 3.119 quilowatts-hora (kWh), além de uma unidade de célula a combustível do tipo membrana de troca de prótons (PEMFC) e tanque com capacidade de armazenar 581 quilos de hidrogênio. Como se sabe, na célula a combustível o hidrogênio reage com o oxigênio que vem do ambiente. A energia liberada transforma-se em corrente elétrica que alimenta a embarcação e o processo gera como resíduo apenas calor e água pura. “Essa combinação proporcionou o resultado mais significativo que obtivemos na pesquisa: ela reduziu as emissões de CO2 em 10,69%”, comemora Vieira. “Além disso, a diminuição das emissões também representa uma redução da mesma ordem no consumo de combustível.”

Giovani Giulio Tristão Thibes Vieira - Foto: Arquivo pessoal

Giovani Giulio Tristão Thibes Vieira - Foto: Arquivo pessoal

O artigo é resultado do doutorado que Vieira realiza desde 2018 na Poli. Por sua vez, o doutorado é desdobramento de seu mestrado, defendido pelo pesquisador naquele ano, na mesma instituição. O estudo foi realizado no âmbito do projeto Sistema de Energia Híbrida para Navios, que esteve em curso entre 2016 e 2020 na primeira fase dos programas do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), financiado pela Shell do Brasil e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“A passagem pelo RCGI foi essencial para fundamentar minha pesquisa. Meu mestrado tratou da parte elétrica do navio. No doutorado, migrei para a parte energética. Agora, os integrantes do grupo formado no RCGI prosseguem seus estudos na área, mas de forma independente do centro de pesquisa”, afirma Vieira. O estudo foi realizado por meio do software Homer e foi focado na análise da performance de um navio de abastecimento de plataforma (ou PSV, sigla em inglês para Platform Supply Vessel). Trata-se de um tipo de embarcação utilizada como apoio às plataformas offshore de petróleo e gás. No caso, essas embarcações costumam transportar mercadorias e equipamentos para alto-mar. “Na pesquisa estabelecemos o seguinte trajeto: o navio sai do porto carregado e segue rumo à plataforma. Lá descarrega a carga em uma operação chamada DP e retorna ao porto mais leve. Assim, conseguimos analisar as diferentes demandas de energia ao longo da operação”, relata.

Curva de Tempo

Melhor resultado apresentado foi combinação que reúne geradores principais e auxiliares, bem como uma bateria de lítio, óxido, níquel, manganês e cobalto com capacidade de 3.119 quilowatts-hora (kWh), além de uma unidade de célula a combustível do tipo membrana de troca de prótons (PEMFC) e tanque com capacidade de armazenar 581 quilos de hidrogênio, que reduziu as emissões de CO2 em 10,69%  – Foto: Freepik

A curva de tempo que o navio precisa para cumprir esse trajeto foi baseada nos dados de uma outra dissertação de mestrado, realizada por Cristian Andrés Morales Vásquez, também na Poli. “Fizemos essa curva baseada no número de horas por tempo de operação em que o navio permanece em cada etapa da missão”, relata o pesquisador. Formas de reduzir emissões de CO2 por embarcações é um tema em voga no mundo, como ressalta o pesquisador, que atualmente cumpre temporada de estudo na Universidade Aalborg, na Dinamarca. O convite veio graças a um artigo que escreveu em 2019 para o projeto Sistema de Energia Híbrida para Navios, do RCGI, coordenado pelo professor Bruno Souza Carmo, da Poli.

“O interesse por essa temática vem crescendo em nível mundial desde o final dos anos 2000. Em 2008 o IMO tomou a decisão de reduzir o limite global de emissões de óxido de enxofre, resultado da queima de combustível, por parte da frota mercante mundial. Mais tarde, a normativa IMO 2020 estabeleceu que o limite de enxofre no combustível dos navios caísse de 3,5% para 0,5%. Em zonas designadas de controle de emissões, como mar Báltico e Estados Unidos, o limite já é de 0,1%”, conta Vieira.

Uma solução de curto prazo para que os navios se adaptem às baixas emissões de CO2 é lançar mão do retrofit. De acordo com o pesquisador, já existem empresas no mundo que produzem um tipo de container que abriga packs de bateria com seu sistema de gerenciamento e proteção, bem como conversores. “Além disso, esse container tem sua temperatura interna controlada. É uma solução pronta para ser instalada nos navios”, constata Vieira. Ainda segundo o estudioso, pesquisas apontam que 50% dos navios em atividade hoje no mundo vão continuar operando até 2030. “Nós, pesquisadores, precisamos pensar em soluções de curto prazo para que essas embarcações se adaptem a uma nova realidade e reduzam as emissões de CO2. Esse estudo ilumina algumas possibilidades”, diz Vieira.

O pesquisador estima que o uso de baterias pode ser uma solução a curto prazo, pois a célula a combustível, por ser relativamente nova, é uma tecnologia pouco acessível do ponto de vista econômico. Por isso, além da questão da emissão, o estudo também se deteve na duração da bateria. “As baterias ajudam a reduzir as emissões em dois momentos. Elas descarregam quando a demanda é baixa e substituem os geradores principais na hora em que eles iriam operar num ponto de menor eficiência. Depois, essas baterias são carregadas e elevam o fator de carga do gerador, o que, geralmente, leva a um melhor ponto de eficiência”, explica Vieira. Entretanto, o processo de carregar e descarregar provoca desgaste na bateria. “Uma bateria com mais ciclos de carga e descarga tem uma vida útil menor, e isso apresenta um impacto financeiro que precisa ser avaliado”, finaliza.

O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da Fapesp e da Shell. As pesquisas do RCGI são focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das NDCs – Nationally Determined Contributions. Os projetos de pesquisa – 19, no total – estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores.

Texto: Assessoria de Comunicação do RCGI

Mais informações: e-mail comunicacao@academica.jor.br

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