Foto: Freepik
Falta de acesso a serviços de saúde ocular compromete a Agenda 2030 da ONU
Países da América Latina, Ásia e África precisam aumentar a cobertura e a qualidade da cirurgia de catarata e do acesso aos óculos para correção de erros refrativos (miopia, astigmatismo e hipermetropia), especialmente em lugares remotos
Encontrar um oftalmologista para tratar catarata ou corrigir uma miopia, por exemplo, não é tarefa fácil para parcela importante da população mundial. Apenas 10% das pessoas acima de 50 anos de idade na América Latina, Ásia e África têm suas necessidades de uso de óculos contempladas; em países ricos esse número chega a 80%. Já a cobertura efetiva da cirurgia de catarata, que deveria ser de 70%, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), não passa dos 40% no Brasil. Os dados são do estudo Effective refractive error coverage in adults aged 50 years and older: estimates from population-based surveys in 61 countries publicado em outubro de 2022 na The Lancet Global Health e que contou com a participação do oftalmologista e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, João Marcello Fortes Furtado.
Esses resultados mostram, em números, as desigualdades no acesso aos serviços de saúde ocular entre regiões ricas e pobres do planeta. A questão, que relaciona boa visão com redução de pobreza e desigualdades sociais, já havia sido levantada em um outro estudo publicado na The Lancet Planetary Health, em fevereiro de 2022, trazendo evidências de que a melhoria da visão pode contribuir para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – Agenda 2030 -da Organização das Nações Unidas (ONU). São 17 objetivos interconectados – entre eles, erradicação da pobreza, fome zero, saúde e bem-estar, educação de qualidade, igualdade de gênero, água potável e saneamento, e energia limpa e acessível – que abordam os principais desafios de desenvolvimento enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo. A lista completa está disponível no site da ONU.
Ainda que ambiciosas, considerando a realidade de países mais pobres, as metas para serem atingidas até 2030 devem incluir diminuição das desigualdades no acesso aos serviços e tratamento adequado aos problemas dos olhos. Considerando as enormes diferenças entre o ideal, preconizado pela OMS, e a realidade encontrada em locais mais pobres, como fechar a equação para o pretendido e melhorar em 40% a cobertura efetiva dos erros refrativos e em 30% a cobertura da cirurgia de catarata em todo o mundo?
Para o professor João Marcello Fortes Furtado, o caminho não será fácil e mudanças precisam ser feitas, em especial, nos países que têm menos acesso a recursos de saúde e profissionais despreparados para atender com qualidade a população.
Óculos para quem precisa
O estudo avaliou a cobertura da necessidade de correção de erros refrativos – miopia, astigmatismo e hipermetropia – e contou com 169 pesquisas oftalmológicas realizadas, a partir do ano 2000, em mais de meio milhão de pessoas em todo mundo. E mostrou que, enquanto a cobertura em países ricos chega a quase 80% da população acima dos 50 anos, em países da América Latina, Ásia e África apenas 10% das necessidades de uso de óculos são atendidas.
Para o professor Furtado, melhorar a cobertura é aprimorar o acesso aos óculos e a qualidade da visão das pessoas. “O indivíduo poderia enxergar melhor, render mais no trabalho e gerar mais renda se estivesse usando óculos”, diz. Apesar de considerar que ao longo do tempo tenha havido melhora significativa no acesso a esse serviço, ele pontua que ainda não é o suficiente e muito precisa ser melhorado.
João Marcello Fortes Furtado – Foto: Currículo Lattes
Argumenta ainda que diagnosticar problemas de erros refrativos não é uma tarefa complexa, mas que nem todas as pessoas têm acesso a um profissional qualificado para receber o diagnóstico. Além desse obstáculo, muitas vezes a pessoa não consegue arcar com os custos de um óculos, o que impossibilita o tratamento. Segundo Furtado, essas são as principais barreiras que precisam ser quebradas para que haja uma melhora significativa da cobertura dos erros refrativos em nível mundial.
A pesquisa contou com um estudo brasileiro, feito na cidade de Parintins, interior do Estado do Amazonas, onde o resultado foi ruim. Furtado argumenta que o Brasil é um país heterogêneo, com regiões mais ricas e com mais acesso a recursos de saúde e regiões mais desfavorecidas, e que o resultado de uma cidade não necessariamente reflete o de todas as outras. Contudo, as dificuldades que o País enfrenta ainda são grandes, com “um amplo caminho que pode ser melhorado”. E, segundo o professor, “já sabemos como fazer e o que a gente precisa: aumentar o acesso e fazer com que os óculos cheguem ao rosto das pessoas que precisam”.
Catarata, um problema mundial
Da mesma maneira que a cobertura para correção dos erros refrativos, a da cirurgia de catarata seguiu o mesmo caminho e foi muito maior em países ricos. A pesquisa também contou com dados de 148 pesquisas, realizadas em 55 países com pessoas a partir de 50 anos de idade.
A recomendação da OMS, afirma Furtado, é que o país fique acima dos 70% da cobertura efetiva da cirurgia de catarata e considere não somente o acesso, mas também o resultado da cirurgia. O Brasil, apesar de não ter nenhum trabalho incluído nesse estudo, possui a mesma média da América Latina, que é de 40%, “um número baixo e que precisa ser melhorado”.
Segundo o médico, para alcançar os objetivos, os países pobres precisam de maior capacitação profissional para que o problema seja diagnosticado e melhorar a qualidade das cirurgias. Além disso, para diminuir as desigualdades entre os países e até mesmo entre as regiões de um mesmo país, é preciso levar às regiões remotas profissionais que consigam fazer o diagnóstico e encaminhar o paciente para o tratamento adequado em centros de saúde mais capacitados. A organização de mutirões de atendimentos às pessoas necessitadas em áreas remotas também é um caminho para que a desigualdade diminua, pontua o oftalmologista.
Mais informações: e-mail furtadojm@gmail.com, com o professor João Marcello
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.