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Observações e comparações com teorias já estabelecidas, que demoraram cerca de seis anos, permitiram a um grupo de astrônomos brasileiros a descoberta de um exoplaneta gigante ̶ fora da Via Láctea ̶ que orbita ao redor de duas estrelas (sistema binário). O fenômeno pode ser considerado “exótico”, já que, até pouco tempo atrás, os astrônomos se perguntavam: “um planeta poderia ter duas estrelas-mães?”. Desde o final do século passado, já era conhecida a existência de planetas ao redor de estrelas isoladas como o nosso Sol. Os resultados desta observação acabam de ser publicados na revista norte-americana The Astronomical Journal. O artigo tem a assinatura dos professores Leonardo Almeida, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, e de outros astrônomos de instituições nacionais.
“Estamos diante de um sistema que comporta um planeta gigante, gasoso e bem maior que Júpiter”, prevê o professor Augusto Damineli, do IAG, que já supervisionou Leonardo Almeida em seu projeto de pós-doutoramento na USP. “Por cerca de cinco anos trabalhei em projetos junto com o professor Damineli”, conta. “O artigo agora publicado em parte é resultado dos estudos daquele período”, ressalta o cientista, que atualmente é pesquisador da UFRN.
Para Damineli, o recente encontrado é um exoplaneta de segunda geração. “Se fosse de primeira geração teria nascido junto com as duas estrelas, mas não é esse o caso, já que no sistema binário em questão, uma das estrelas está morta”, descreve. Segundo o cientista, um planeta de segunda geração nasce, em geral, após a morte de uma das estrelas do sistema binário, que se torna anã branca.
Essas observações permitiram medir os períodos dos eclipses entre as duas estrelas e que, de acordo com os astrônomos, podem evidenciar a existência do planeta gigante gasoso.
Missão Kleper
A localização deste planeta gigante se deu graças à missão Kepler, da Nasa – National Aeronautics and Space Administration, dos EUA, e de observações em terra do Grupo de Telescópios Isaac Newton localizado nas Ilhas Canárias, na Espanha. “Por meio desse satélite, hoje sabemos que é possível existir planetas ao redor de duas estrelas. Mas os sistemas descobertos, até então, eram compostos por estrelas vivas e que ainda queimam o hidrogênio em seu núcleo”, explica Almeida. E foi aí que surgiu mais uma questão para os astrônomos nos últimos anos: os exoplanetas sobreviveriam às fases eruptivas da evolução de duas estrelas? E eis que, de acordo com Almeida, a resposta é, enfim, positiva! “Desde 2009, alguns sistemas foram propostos como possíveis candidatos a hospedar exoplanetas”, lembra o astrônomo da UFRN.
Para o professor Damineli, os resultados ora descritos por Almeida inauguram o que ele considera um laboratório “aberto a novos experimentos, que poderão levar a muitos outros achados na astronomia”. E o docente da USP exemplifica: “Quando os primeiros navegadores partiram em busca de novas terras, atravessaram o oceano e chegaram a um novo continente, ou seja, abriram um caminho”. É como Damineli vê a descoberta atual de Leonardo Almeida. “Daí a exploração do novo continente tornou-se tarefa mais possível.”
“Bamboleio de estrelas”
O sistema detectado e denominado KIC 10544976 foi observado pelo satélite Kepler por cerca de quatro anos. “Trata-se de um sistema único”, reforça Almeida. Essas observações permitiram medir os períodos dos eclipses entre as duas estrelas e que, de acordo com os astrônomos, podem evidenciar a existência do planeta gigante gasoso. “Ele não pode ser visto”, alerta Damineli, mas as comprovações obtidas por meio das observações dos ciclos de atividades magnéticas e de seu período orbital permitem concluir a existência do exoplaneta.
“O período orbital entre as duas estrelas é o espaço de tempo que uma leva para girar ao redor da outra”, explica Almeida. E quando uma passa na frente da outra, e vice-versa, ocorrem os eclipses em tempos bem determinados. “Mas, se ao redor das estrelas tivermos um planeta, os eclipses acontecerão com avanços e atrasos”, descreve.
Mas, segundo o cientista da UFRN, tal constatação não é suficiente para se afirmar a existência do exoplaneta. “Há outra explicação para tais variações”, lembra Almeida. Essa explicação se baseia no ciclo de atividade magnética. “O nosso Sol apresenta variação de sua atividade magnética evidenciada pelas manchas solares, com período ao redor de 11 anos, e as outras estrelas também devem passar por isso”, estima o astrônomo, lembrando que “essa variação da atividade magnética também gera uma variação aparente do período orbital num sistema de duas estrelas próximas”. É o que Almeida denomina “bamboleio de estrelas”. No entanto, foi medido pela primeira vez o ciclo de atividade magnética da componente viva de um sistema binário evoluído, ou seja, uma estrela viva mais uma morta. Como o ciclo medido foi de aproximadamente 600 dias, não explica a variação do seu período orbital que foi de cerca de 17 anos. Dessa forma, os autores concluíram que o exoplaneta é a solução provável para esse sistema.
Mais informações pelo e-mail leonardodealmeida.andrade@gmail.com, com Leonardo Almeida