Ex-aluno USP trabalha no mesmo observatório e assinou artigo com laureados do Nobel

Nobel de Física premia pioneiros dos exoplanetas, colocando em destaque área da astronomia pesquisada no IAG-USP e que pode ajudar a encontrar vestígios de vida fora da Terra

 08/10/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 10/10/2019 as 13:38
Atualmente em Genebra, o astrônomo Leonardo dos Santos faz parte do time de “caçadores de exoplanetas” – Foto: arquivo pessoal

Por Luiza Caires e Matheus Souza

A terça-feira começou com um dia de trabalho como qualquer outro para os pesquisadores do Observatório de Genebra, na Suíça, mas logo virou um momento de comemoração. Por volta das 12 horas no horário do país, foi anunciado o Prêmio Nobel de Física a dois de seus colegas, os cientistas Michel Mayor e Didier Queloz. Ambos professores da Universidade de Genebra, eles foram laureados pela descoberta do primeiro exoplaneta a orbitar uma estrela semelhante ao Sol, o 51 Pegasi b.

“Era um dia comum, mas depois do anúncio todo mundo ficou agitado. Os telefones não pararam de tocar”, conta o brasileiro Leonardo dos Santos, aluno de doutorado no Observatório. Mestre pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, ele mora na Suíça há dois anos, e lá pesquisa a atmosfera de exoplanetas. A sala de Leonardo fica exatamente ao lado da de Didier Queloz – mas esse é um detalhe menor para quem agora tem no currículo um artigo assinado em coautoria com os mais recentes laureados pelo Nobel.

Mayor e Queloz dividiram o Nobel com o canadense James Peebles, um dos nomes mais importantes por trás das teorias cosmológicas sobre a origem do Universo. De acordo com a Academia Real das Ciências da Suécia, que entrega o prêmio, os três trouxeram contribuições importantes “para o nosso conhecimento sobre a evolução do Universo e o lugar da Terra no cosmos”.

O professor Jorge Melendez, que estuda exoplanetas e foi orientador de Leonardo no IAG, afirma que a premiação da dupla já era vista como provável na comunidade científica. “Também era cotada a pesquisa que levou à primeira ‘foto’ de um buraco negro, porém é ainda muito recente.” Um dos maiores estudiosos de buracos negros do Brasil, o professor do IAG João Steiner, concorda que essa é uma possibilidade para o futuro. “A foto foi um feito tecnológico extraordinário, mas o Nobel tem a tradição de premiar a pesquisa básica”, diz.

Quanto a James Peebles, Melendez acha que “ele já devia ter sido premiado há muito tempo”, pelas suas importantes contribuições para a cosmologia, em particular pela previsão da radiação cósmica de fundo que permeia o Universo.

Astrônomos suíços Didier Queloz e Michel Mayor no Observatório de La Silla, no Chile – Foto: ESO

Exoplanetas

Apesar de ter acontecido há mais de vinte anos, em 1995, a descoberta do 51 Pegasi b teve um enorme impacto no modo como se estuda o Universo atualmente. Chama-se exoplaneta qualquer um que faça parte de um sistema planetário diferente do nosso. O que fazia do 51 Pegasi b especial é que, naquela época, não se conhecia nenhum exoplaneta que orbitasse uma estrela de tipo solar.

Os conhecidos até então, como explica Leonardo, orbitavam pulsares, que estão em locais muito distantes de nós para que seja possível colher informações sobre eles. “Basicamente, a única informação que é possível comprovar é sua existência.” Por sua vez, os exoplanetas de estrelas semelhantes ao Sol estão próximos o suficiente para que se possa medir, por exemplo, sua massa, tamanho, temperatura e a distância entre eles e suas estrelas.

Além disso, planetas que orbitam pulsares são locais em que a chance de existência de algum tipo de vida é basicamente impossível. “Um pulsar é o ‘resto’ de uma explosão de supernova. Então, se houve alguma vida nesses locais, já virou poeira”, diz o pesquisador brasileiro.

Na jornada que levou ao descobrimento do 51 Pegasi b, Mayor e Queloz desenvolveram métodos que até hoje são utilizados para a detecção de exoplanetas. O design do ELODIE, espectógrafo utilizado pelos pesquisadores na época, permitiu a criação de ferramentas que hoje permitem realizar esse processo com muito mais precisão.

O próprio Leonardo, em seu trabalho, usa dados de um desses instrumentos mais precisos, o espectógrafo HARPS, instalado no Observatório de La Silla, no Chile. O pesquisador brasileiro é enviado a La Silla duas vezes por ano como parte de seu doutorado, e foi também graças a uma dessas visitas que ele acabou tornando-se coautor em um artigo com Mayor e Queloz.

“O artigo foi liderado por uma colega minha, Emily Rickman, que trabalha na descoberta de planetas e ‘anãs marrons’ que orbitam a uma grande distância de suas estrelas”, explica. Leonardo contribuiu para o trabalho coletando dados a partir de observações no telescópio Euler, também instalado em La Silla.

Área é pouco valorizada no Brasil

O professor do IAG Jorge Melendez

No IAG, o grupo de pesquisa do professor Melendez procura exoplanetas em estrelas muito parecidas ao Sol, as chamadas gêmeas solares. “Também estudamos anomalias químicas relacionadas a planetas. Por exemplo, algumas estrelas apresentam um excesso de lítio e de elementos químicos abundantes em rochas, o que sugere que essas anomalias na composição química de algumas estrelas possam estar relacionadas ao engolimento de planetas”, explica o cientista.

Para Melendez, um Nobel ser entregue a alguém que estuda o tema é algo importantíssimo, trazendo mais atenção para uma área que precisa ser mais desenvolvida no Brasil. Ele explica que, após a descoberta do 51 Pegasi b, a área de exoplanetas foi rapidamente desenvolvida no mundo, e atualmente é uma das principais áreas de pesquisa em Astronomia. “Porém, aqui ainda não temos tanta pesquisa devido à falta de instrumentação adequada. A entrada do País no Observatório Europeu do Sul (ESO) oferecia importantes perspectivas, mas o Brasil foi expulso do ESO por nunca ter honrado seus compromissos com o consórcio”, lamenta.

“Grandes descobertas como as do Nobel requerem investimentos em longo prazo. A ciência brasileira é relativamente jovem, e infelizmente os recentes cortes no orçamento da ciência e das universidades públicas, que realizam a maioria das pesquisas no País, têm um forte impacto negativo no desenvolvimento científico”, adverte o professor do IAG. Para ele, se o Brasil almeja ser um dia um país desenvolvido, “precisamos investir pesado em ciência, tecnologia e educação”.

 

 


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