Fotomontagem: Jornal da USP – Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens, Freepik e Wikimedia Commons

Estudo destaca importância do programa de alimentação escolar para comércio familiar

Participação de pequenas empresas entre abastecedores do Programa Nacional de Alimentação Escolar contribui para a economia local e a manutenção da segurança alimentar de estudantes

 17/04/2023 - Publicado há 12 meses     Atualizado: 18/04/2023 as 16:57

Texto: Camilla Almeida

Arte: Gabriela Varão

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criado em 1954, é um dos mais antigos e importantes instrumentos visando à oferta de alimentação saudável para milhões de estudantes brasileiros. Pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP analisaram a rede de abastecimento do programa no Estado de São Paulo entre os anos de 2013 e 2017, mostrando que é possível alinhar políticas de desenvolvimento econômico com as de segurança alimentar.

Responsável por amparar mais de 41 milhões de crianças e adolescentes, o PNAE é gerenciado pelos próprios municípios, que devem destinar a quantia em dinheiro ou realizar a compra direta de alimentos para as escolas. O estudo analisou notas fiscais presentes nas prestação de contas das prefeituras para ter acesso a informações sobre os produtos e seus produtores. “Com esses dados, fiz uma rede social dos municípios e fornecedores. Eu comecei a ver que certas empresas ficaram muito grandes na rede, já que tinham muitas menções. Eram grandes organizações que você já conhece, já escutou o nome em algum lugar”, conta Denise Boito Pereira da Silva, primeira autora da pesquisa, ao Jornal da USP.

Com relação a esses fornecedores, a pesquisadora observou certas repetições nos alimentos ofertados e percebeu a maciça presença de produtos industrializados e com baixo valor nutricional.

"Consegui visualizar que os municípios que tinham comprado desses grandes fornecedores não tinham quase nada de produtos in natura. Vinculados a eles eram só produtos processados”, diz Denise da Silva.

De acordo com a pesquisadora, a real prevalência no PNAE é de pequenas empresas e comércios familiares, que se destacam pelo suprimento de alimentos naturais e livres de agrotóxicos. Além disso, a compra de insumos vindos do comércio familiar fomenta o desenvolvimento econômico da região ao gerar uma demanda para esses produtores.

“O que eu consegui ver foi uma grande quantidade de fornecedores pequenos e locais, majoritariamente não vinculados à agricultura familiar. E que a grande maioria deles fornecia para apenas um município”, relata a pesquisadora. Alterações feitas no PNAE ao longo dos anos buscaram potencializar os benefícios trazidos pelo programa para o desenvolvimento regional. “A exemplo disso, temos a promulgação da Lei nº 11.947 de 16/6/2009, que além de proibir a compra de determinados alimentos ultraprocessados, como salsicha e macarrão instantâneo, também determina o investimento de 30% do orçamento na compra direta de agricultores familiares e pequenos fornecedores.”

Denise da Silva - Foto:  Arquivo Pessoal
Denise da Silva - Foto: Arquivo Pessoal

“A lei foi criada para regulamentar o PNAE. Seu principal objetivo era o fornecimento de uma alimentação mais saudável para os escolares. Mas também sabia-se e discutia-se seu efeito colateral sobre a segurança alimentar através do fortalecimento da agricultura familiar e do estímulo às compras locais”, afirma Denise da Silva. 

O perigo dos ultraprocessados

Marly Cardoso - Foto: Arquivo Pessoal
Marly Cardoso - Foto: Arquivo Pessoal

“Eles não têm valor nutricional natural, a não ser quando são adicionadas algumas vitaminas e minerais, o que não torna esses alimentos mais saudáveis. O ultraprocessado fortificado ou enriquecido continua sendo o ultraprocessado”, diz ao Jornal da USP Marly Augusto Cardoso, professora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Ela destaca também os perigos de uma dieta baseada em alimentos industrializados. “São vários os efeitos adversos no curso da vida, mas principalmente doenças cardiovasculares e diabete estariam relacionadas aos compostos químicos presentes nesses alimentos”, afirma a professora.

Os produtos oriundos da agricultura familiar e do comércio local, por outro lado, se mostram como opções saudáveis para as crianças, com um variado leque de frutas e vegetais produzidos com menos fertilizantes, adubos químicos e agrotóxicos. De acordo com Marly Cardoso, a alimentação saudável durante a infância e adolescência se torna ainda mais fundamental se considerada a demanda por vitaminas e nutrientes essenciais para o desenvolvimento neurológico e físico. 

“Essa alimentação não só potencializa o desenvolvimento neurológico e o crescimento, mas funciona como um investimento que a sociedade faz no capital humano do seu povo. O investimento na nutrição na infância vai possibilitar indivíduos adultos mais inteligentes e saudáveis, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico do País”, diz a docente da FSP. 

Políticas públicas integradas

João Luiz Passador, orientador da pesquisa e coordenador do Centro de Estudos em Gestão e Políticas Públicas Contemporâneas (GPublic) da FEA-RP, vê o Programa Nacional de Alimentação Escolar como um ótimo exemplo de política pública integrada – aquela que considera as necessidades em múltiplos níveis, como o econômico e o social, daqueles grupos que mais necessitam dela para sobreviver dignamente. “Não, não existe política pública isolada: sempre irá haver um conjunto de ações do governo para lidar com determinada problemática”, afirma o pesquisador.

Neste caso, o PNAE funciona como uma das ações que realizam a manutenção da segurança alimentar, permanência estudantil e bem-estar social. “Ao redor da escola deve gravitar uma órbita de outras políticas para garantir os melhores resultados: habitação, mobilidade, saúde, cultura e lazer, e assim por diante”, diz Passador. Na esfera econômica, o programa auxilia na garantia de compra e demanda aos agricultores familiares, contribuindo na continuidade da atividade ao gerar renda para esses produtores.

O pesquisador ressalta ainda a dificuldade na obtenção de dados e na formulação de políticas públicas unificadas em nível nacional. “O trabalho da Denise tem essa importância de produzir informação de origem científica que pode se transformar em tecnologia social, em decisões efetivas. Ele ajuda a pensar em potencializar os resultados do programa”, explica. 

João Passador - Foto: Arquivo Pessoal
João Passador - Foto: Arquivo Pessoal

O artigo Characterization and analysis of the supply network of the Brazilian national school feeding programme foi publicado na revista Public Money & Management, como resultado da pesquisa de doutorado de Denise Boito Pereira da Silva, sob orientação de João Luiz Passador.

Mais informações: e-mail denise_bps@hotmail.com, com Denise da Silva


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