Enzima que protege o parasita causador da doença de Chagas pode ser alvo para novos tratamentos

Pesquisadores descobriram que a enzima P5CR faz parte de um mecanismo importante para a sobrevivência do parasita Trypanosoma cruzi

 23/07/2020 - Publicado há 4 anos
Há medicamentos para tratar doença de Chagas desde a década de 1960, mas eles têm efeitos colaterais severos, que podem até ser motivo de interrupção do tratamento. Por isso, os cientistas pesquisam novas terapias – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram um mecanismo importante ligado à sobrevivência do Trypanosoma cruzi, protozoário parasita causador da doença de Chagas. As descobertas estão ligadas às atividades da enzima P5CR, responsável pela produção da prolina, um metabólito que protege o parasita durante a infecção e auxilia na invasão das células do hospedeiro, além de ser um constituinte das proteínas.

Os achados foram descritos em artigo publicado recentemente no periódico científico Biochemical Journal. Foi descoberto que, diferente de outros organismos, a enzima P5CR do T. cruzi é inibida por um dos seus substratos (reagentes), o NADPH (dinucleotídeo de adenina e nicotinamida fosfato), quando este está presente em altas concentrações no interior da célula. O NADPH combate os efeitos prejudiciais das espécies reativas de oxigênio e dos radicais livres e participa da síntese de ácidos graxos e compostos esteroides.

Letícia Marchese – Foto: Arquivo pessoal

“Geralmente, quanto mais substrato a enzima recebe, mais atividade ela apresenta. No T. cruzi, observamos o contrário: a partir de um ponto, quanto maior o nível de NADPH, menos atividade ela possui”, explica a pós-doutoranda Letícia Marchese, primeira autora do estudo. A hipótese do grupo é que a enzima P5CR pode estar envolvida em um processo de lançadeira redox entre a mitocôndria e o citoplasma do parasita. Ou seja, ela regula a entrada de prolina na mitocôndria – organela importante para a geração de energia através da síntese de ATP (trifosfato de adenosina).

“Os níveis de NADPH funcionariam como reguladores da produção de prolina. A enzima consome o NADPH e produz a prolina, que é transferida para a mitocôndria. A degradação da prolina dentro da mitocôndria produz moléculas fundamentais para fornecer a energia necessária para a síntese de ATP. Esse mecanismo contribuiria com a administração dos níveis de energia do parasita”, diz Marchese. No mesmo estudo, o grupo mostrou que o primeiro produto da oxidação da prolina dentro da mitocôndria pode sair para ser utilizado novamente como substrato, para realimentar a síntese de prolina. Isto, que parece um detalhe, pode ser a chave do mecanismo de regulação proposto.

Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que cerca de 12 milhões de pessoas nas Américas (um milhão somente no Brasil) estejam infectadas pelo protozoário Trypanosoma cruzi, o causador da doença de Chagas. O vetor é o inseto triatomíneo conhecido como barbeiro (imagem acima)  – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

As pesquisas foram realizadas no Laboratório de Bioquímica de Tripanossomas (LaBTryps) do ICB, coordenado pelo professor Ariel M. Silber. Os pesquisadores estudam as funções e o metabolismo dos aminoácidos de parasitas pertencentes a esse grupo, para tentar identificar enzimas importantes para a sua sobrevivência. Esses estudos podem abrir caminho para novos tratamentos para infecções como doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, e doença do sono, provocada pelo Trypanosoma brucei.

Alvo terapêutico

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De acordo com o professor Ariel M. Silber, coordenador do estudo, uma vez encontrados os aminoácidos relevantes para a sobrevivência do T. cruzi, seria possível identificar enzimas críticas que os metabolizam como alvos no desenvolvimento de novos medicamentos para tratar a doença de Chagas.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2018 mais de 300 brasileiros foram diagnosticados com doença de Chagas em fase aguda. Estima-se que cerca de um milhão de pessoas estejam infectadas pelo protozoário, somente no Brasil. Nas Américas, esse número seria de, aproximadamente, 12 milhões de pessoas. A doença apresenta uma fase aguda que pode ser sintomática ou não, e uma fase crônica, que pode se manifestar nas formas indeterminada, cardíaca, digestiva ou cardiodigestiva. Existe tratamento para a doença desde a década de 1960, porém, os medicamentos possuem efeitos colaterais severos, que podem ser motivo até para a interrupção. “A busca de novas alternativas terapêuticas é extremamente necessária”, afirma Silber.

Para dar continuidade aos estudos, o grupo pretende analisar formas de interferir no mecanismo de lançadeira redox que protege o T. cruzi. “Essa lançadeira está sendo proposta na literatura há cerca de 30 anos e foi só parcialmente demonstrada até a publicação do nosso estudo. Nós conseguimos mostrar, pela primeira vez, a peça que ainda faltava para deixar estabelecida a existência desse mecanismo.”

Mais informações: (11) 99912-8331, e-mail angela@academica.jor.br, com Angela Trabbold, da Acadêmica Agência de Comunicação


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