Fotomontagem Jornal da USP - Foto: Freepik

Entender a cognição para além do cérebro pode contribuir para ampliar tratamentos interdisciplinares

A cognição corporeada relaciona cérebro, corpo e ambiente para compreender a produção do pensamento

 09/02/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 10/02/2023 as 16:28

texto: Bianca Camatta

Arte: Simone Gomes

Tradicionalmente, o pensamento pode ser entendido como uma metáfora computacional, na qual o cérebro processa estímulos e, como consequência, produz um comportamento. Nesse processo, assim como um computador, o órgão cria memórias, controlando o pensamento. Apesar dessa metáfora ser prevalente entre alguns pesquisadores, há outras linhas que contrariam essa teoria e defendem que, para entender a formação do pensamento, é importante tirar o foco no cérebro e propor outras investigações.

O artigo Superando o cérebro: Andy Clark e a cognição corporeada, de Igor Marques, atualmente mestre pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP, tem como fio condutor a ideia de repensar esse órgão. Para isso, ressalta a importância da ideia de cognição corporeada que relaciona o cérebro, o corpo e o ambiente para analisar o pensamento, o que pode ser importante para diversificar as formas de tratamentos de doenças que envolvem esse órgão. Essa forma de entender o cérebro vem da teoria do professor de filosofia cognitiva Andy Clark, na Universidade de Sussex, Inglaterra, e que, no artigo, é discutida e comparada com outras teorias cognitivas.

Andy Clark - foto: profiles.sussex.ac.uk

Corpo e ambiente como partes do pensamento

O artigo, que foi publicado na Revista Psicologia em Pesquisa e teve como segunda autora a professora Briseida Resende, é dividido em duas partes principais: o cérebro enquanto órgão e a construção do pensamento no ambiente e no corpo. Marques explica que, como órgão, o cérebro tem um funcionamento específico e também vai ser influenciado por hormônios e fatores ambientais. Já sobre o pensamento construído pelo ambiente e pelo corpo: “É mais uma cutucada de que o pensamento necessariamente precisa de um corpo, precisa de um ambiente. Ele não está num contexto abstrato, como se supõe normalmente de um computador”.

Para exemplificar essa nova forma de pensar o cérebro, o autor conta sobre um experimento que usou um robô articulado e construído sem processador (veja vídeo abaixo). Ele foi colocado em uma rampa e naturalmente começou a caminhar, ou seja, o corpo ofereceu um processamento. “O corpo já pensa, para além do cérebro, parte do pensamento está na perna, na gravidade, no ambiente”, complementa.

Igor Marques - Foto: Arquivo pessoal

Marques ressalta que entender que o pensamento pode estar distribuído em outras partes do corpo não significa que o cérebro perde a sua importância, mas sim que há outros elementos para realização de determinada atividade, o que acrescenta complexidade na análise de um comportamento.

No simples caso do caminhar, por exemplo, um cérebro funcionando normalmente não é o único que possibilita essa ação; um músculo não fortalecido ou até mesmo fatores externos podem impedir sua realização. “Pessoas acamadas, depois de certo tempo, não conseguem movimentar seus membros inferiores (ambiente comprometido), ou uma pessoa que sofreu acidente também pode ficar incapacitada de movimento (fisiologia para além do cérebro comprometida). Até mesmo um barbante pode comprometer o resultado final de mexer as pernas”, comenta.

Marques conta que a metodologia do artigo foi de revisão narrativa, quando o foco do que é estudado é na descrição e discussão do tema e com uma escolha de referências feita de forma menos rigorosa, o que deu mais liberdade para guiar o leitor pelos argumentos. Ele diz que, quando produziu o estudo, ainda estava na graduação, o que justifica esse formato. “A importância para a gente era conseguir conversar com o leitor e com a leitora sobre o cérebro, oferecer novos espaços para pensar [sobre ele].”

Relevância das pesquisas

Entender que o pensamento pode ser produzido para além do cérebro é importante para compreender que fazer um tratamento que foca apenas nesse órgão, por exemplo, não será o mais eficiente. Segundo Marques, isso pode fazer com que as pesquisas se tornem interdisciplinares, englobando desde áreas da fisiologia e medicina a sociologia e psicologia. 

“No lugar de construir grupinhos, em que cada linha da ciência vai saber o seu e pronto, a gente começa a construir uma comunidade que vai complexificar e aumentar os tipos de intervenções possíveis”, diz. “Assim, a gente consegue produzir uma intervenção mais complexa, por exemplo, remédios psiquiátricos acompanhados de psicoterapia e de uma mudança na forma como a sociedade está criando subjetividade”, completa.

Marques também ressalta a importância da produção do artigo para ele enquanto ainda estava na graduação: “Foi muito importante conseguir acessar isso sem medo, aliás, com medo, mas com acolhimento desse medo e, para mim, um pesquisador e uma pesquisadora têm que ter essas estruturas para conseguir produzir”.

Mais informações: e-mail igor.marques.santos@usp.br, com Igor Marques


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