Pessoas com diferentes tipo de deficiência têm menor remuneração e oportunidades no mercado de trabalho

Estudo mostra diferenças salariais e trabalhistas entre pessoas com e sem deficiência, sugerindo políticas específicas para categorias e níveis de severidade da deficiência. Para autora, nos níveis mais elevados, transferências do governo são fundamentais para evitar empobrecimento da pessoa e de sua família

 19/10/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 21/10/2020 as 10:32

Por Margareth Artur – Portal de Revistas USP

Realidade do mercado de trabalho brasileiro para as pessoas com deficiência é marcado por restrições e segregações – Foto: svklimkin via Pixabay – CC

Ser diferente é normal“, canta Gilberto Gil. “Todo mundo tem que ser especial em oportunidades, em direitos, coisa e tal, […] ser diferente não faz diferença.” Muitas vezes a diferença está em uma deficiência física, visual, auditiva, mental. Mas se ser diferente é normal, todos deveriam contar com oportunidades de trabalho, emprego e salário iguais aos que não têm deficiências aparentes. Entretanto, de acordo com um artigo da revista Estudos Econômicos, a realidade do mercado de trabalho brasileiro para estas pessoas é marcada por restrições e segregações.

Com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1945, surgiu a elaboração de políticas públicas em defesa dos direitos das pessoas com deficiência. No entanto, mesmo decorrido tanto tempo, a participação econômica desses indivíduos na sociedade ainda é bem pequena.

O artigo analisa o efeito da deficiência sobre o emprego e o salário por hora no Brasil se baseando na amostra da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, em que foram considerados três grupos: não deficientes, deficientes com limitações das atividades e deficientes sem tais limitações, comparando as diferenças de remuneração e distribuição de salários

O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) comprovou que pessoas com deficiência recebem, em média, menores salários, “e as taxas de emprego para essas pessoas são menores em 53% para homens e em 20% mulheres, em comparação às pessoas sem deficiência“. As limitações causadas pela deficiência e a saúde precária já são suficientes para o empregador discriminar o funcionário, oferendo um salário abaixo da média. É importante ressaltar que a produtividade das pessoas com deficiência sem limitações não é afetada. Já as pessoas com deficiência e limitações são aquelas cuja condição de saúde afeta o tipo e a quantidade de trabalho que o indivíduo pode executar.

Quanto às pessoas com deficiência sem limitações e as que não possuem deficiência, a autora alerta para uma possível discriminação quando o empregador paga mais a essas últimas, mesmo que a capacidade produtiva seja a mesma para ambos os grupos. Por exemplo, a discriminação pode ser mais intensa nos níveis inferiores da distribuição salarial se o empregador contratar trabalhadores deficientes apenas para oferecer posições de baixa remuneração, independentemente das características produtivas. A deficiência pode afetar as oportunidades no mercado de trabalho pela redução na produtividade, limitação do tipo de trabalho, aumento do número de ausências por motivos de saúde e o consequente preconceito perante esse fato, e restrição ao acesso à educação e à formação profissional.

Estudiosos afirmam que toda essa situação pode provocar “um preocupante ciclo vicioso de baixa escolaridade das pessoas com deficiência e subsequente pobreza de longo prazo“. A autora destaca que, em relação às oportunidades no mercado de trabalho para pessoas com deficiência, “a menor produtividade pode ser uma consequência específica da condição de saúde mas também pode estar relacionada a indisponibilidade de infraestrutura, serviços e recursos adequados“. Para quem tem curso superior, normalmente há mais oportunidades de trabalho e maiores salários.

Assim, esses resultados podem ser uma evidência em favor da hipótese que, “para cumprir as determinações da política de cotas de emprego para pessoas com deficiência, de maneira geral, os empregadores optam por contratar deficientes sem limitações para cargos de maior remuneração“, sem a necessidade de mudança na infraestrutura da empresa ou nas rotinas de trabalho. Para os diversos graus de deficiência, finaliza Kalinca, talvez sejam necessárias políticas públicas específicas “que contemplem não apenas a inclusão no mercado de trabalho, como também todo o processo de formação do capital humano“, garantindo a dignidade humana para quem realmente não pode trabalhar, no sentido de oferecer recursos financeiros para a pessoa com deficiência e sua família.

 

Artigo

BECKER, Kalinca Léia. Deficiência, Emprego e Salário no Mercado de Trabalho Brasileiro. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 49, n. 1, p. 39-64, 2019. ISSN: 10.1590. DOI: https://doi.org/10.1590/0101-41614912klb. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ee/article/view/140395. Acesso em: 13 fev. 2019.

 

Contato

Kalinca Léia Becker – Professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) – Santa Maria/RS.
kalincabecker@gmail.com

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