Foto: Senado Federal/Flickr

Criança beneficiada pelo Bolsa Família em município com pior educação permaneceu mais no programa quando adulta

Mais de 40% das crianças beneficiadas acompanhadas em estudo continuaram no programa 10 anos depois. Pesquisa identificou desigualdade de renda e educação de pior qualidade entre fatores que favorecem permanência

 05/05/2022 - Publicado há 2 anos

Autor: Karla Rodrigues

Arte: Guilherme Castro/Jornal da USP

O Bolsa Família, programa recém-substituído pelo Auxílio Brasil, foi criado em 2004 reunindo outros benefícios, como o Bolsa Escola, de 2001, com o objetivo de quebrar o ciclo intergeracional da pobreza, que é a tendência de pessoas que nascem em famílias pobres permanecerem pobres na idade adulta. Com mais de 20 anos de existência, os programas de combate à pobreza não foram suficientes para resolver o problema de parcela significativa dessa população. Pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP verificaram que mais de 40% dos beneficiários do Bolsa Família permanecem no programa após a maioridade. Fatores como percentual de pobreza e qualidade do ensino no município de residência, além de sexo e raça, contribuem para esta alta taxa.

A conclusão é de um estudo que analisou dados de crianças assistidas pelo então Bolsa Família em 2005, quando estavam com 10 anos de idade. Das cerca de 1,2 milhões de crianças pesquisadas, mais de 530 mil ainda constavam beneficiárias do mesmo programa em 2015. Segundo a autora da pesquisa, Maria Isabel Accoroni Theodoro Habenschus, a taxa de permanência diminuiu de maneira contínua e praticamente constante ao longo do período analisado, mas, ainda assim, 42,6% dos indivíduos ainda eram beneficiários do Bolsa Família no final de 2015. Já com 20 anos de idade, 9% deles eram agora responsáveis pela família. “Eles já estavam em uma nova geração familiar que não conseguiu superar essa situação de pobreza”, alerta a pesquisadora.

Maria Isabel Accoroni Theodoro Habenschus - Foto: FEA-RP/USP

Maria Isabel Accoroni Theodoro Habenschus - Foto: FEARP/USP

SAO PAULO – SP – 4 JUNHO – Favela de Heliopolis, na zona Sul de Sao Paulo – Foto: Paulo Fehlauer

Os dados foram obtidos por meio do Cadastro Único de programas sociais do Governo Federal. Ao analisar o perfil desses jovens, os pesquisadores verificaram que o fato de ser homem, branco e residente de município com Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) maior aumentou a probabilidade de um indivíduo deixar o programa. Em contrapartida, ter maior quantidade de irmãos e residir em um município com percentual maior de pobreza reduziram esta probabilidade. Além desses, Maria Isabel destaca o fator educação afirmando que cada ponto adicional alcançado pelo município no Ideb aumentou em 5,8% as chances do indivíduo deixar o programa. “Isso indica que crianças igualmente pobres têm probabilidades distintas de não precisar mais do Programa Bolsa Família”, conclui.

Aperfeiçoamento de programas e políticas para público jovem

De acordo com o orientador do estudo, o professor da FEA-RP Luiz Guilherme Scorzafave, apesar do período analisado não ser tão longo, as informações obtidas são importantes para delinear políticas voltadas ao público jovem que não conseguiu escapar da armadilha da pobreza, além de aperfeiçoar os mecanismos de programas de transferência de renda. “Infelizmente, na criação do Auxílio Brasil não houve esforço de redesenho e nem de proposta de novas políticas endereçadas aos que permaneceram como beneficiários do Bolsa Família até a idade adulta”, completa o professor.

Os resultados da pesquisa fazem parte da pesquisa de doutorado de Maria Isabel, Programa Bolsa Família: migração, desempenho escolar e efeito de longo prazo na pobreza, apresentada em 2020 à FEA-RP.

O professor Luiz Guilherme Scorzafave foi o orientador da pesquisa - Foto: FEA-RP/USP

Ouça no player abaixo entrevista com os pesquisadores ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.


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