Prouni gera inclusão mas carece de maior transparência e regulamentação, diz estudo

Pesquisa recomenda maior presença do Estado na regulação do programa a fim de exigir padrões rigorosos de ensino e produção científica das instituições

 16/11/2016 - Publicado há 7 anos
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Foto: José Rosa/Portal Brasil
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O Programa Universidade para Todos (Prouni), do governo federal, avançou na inclusão de jovens de baixa renda no ensino superior por meio de bolsas em instituições privadas, mas carece de maior regulamentação e transparência em seu funcionamento. A conclusão é de um estudo de mestrado realizado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP pelo administrador Jean Lucri. A pesquisa recomenda maior presença do Estado na regulação do programa, por meio do Ministério da Educação (MEC), a fim de exigir padrões rigorosos de ensino e produção científica das instituições participantes. Também é sugerida a atuação conjunta do MEC com órgãos de fiscalização econômica, para evitar a formação de oligopólios.

O objetivo do Prouni é conceder bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior com e sem fins lucrativos. “Estas instituições optam por participar do programa e, em troca, recebem isenções de impostos”, conta o pesquisador. “Os alunos que atingem os requisitos socioeconômicos são selecionados com base no desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio [ENEM]”.

Foto: Agência Brasil
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Para concorrer às bolsas integrais o candidato deve ter renda familiar bruta mensal de até um salário mínimo e meio por pessoa. Para as bolsas parciais, a renda deve ser de até três salários mínimos por pessoa, além da exigência do candidato ter cursado o ensino médio na rede pública, ou na rede particular com bolsa integral. Além disso, portadores de deficiência e professores da rede pública de ensino estão dispensados da exigência de renda. Os docentes só podem concorrer a bolsas para cursos de licenciatura.

De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU), o Prouni constitui uma ação não orçamentária vinculada à renúncia de receitas, e é estimada pela Receita Federal. O total de renúncia das entidades credenciadas, que seria o valor investido no programa, entre os anos de 2005 e 2013, foi de R$ 3,94 bilhões. Nesse período foram concedidas cerca de 2 milhões de bolsas.

Lucri afirma que o Prouni é relativamente bem-sucedido em amenizar deficiências de fração do sistema de ensino superior brasileiro, com resultados positivos no acesso de jovens de baixa renda. “Contudo, ele certamente não é suficiente e tem graves problemas”, enfatiza. “Portanto, é preciso afastar a ideia de que, com o programa, o Estado brasileiro vem sendo protagonista efetivo na condução de um sistema de ensino superior e universalmente acessível e com produção científica de qualidade.”

Regulamentação

O pesquisador aponta que o principal problema do Prouni é incentivar tributariamente a expansão de grandes grupos de ensino superior sem uma regulamentação proporcional. “Se por um lado ele traz ganhos importantes na vida dos beneficiários, por outro é um agente que garante maiores lucros a grandes grupos cujos interesses muitas vezes vão contra um sistema de ensino superior lastreado em pesquisa de excelência”, observa.

Ainda que o programa tenha funcionado como um dispositivo que disciplina as isenções que já eram garantidas sem contrapartida de bolsas pelas instituições filantrópicas, junto ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – programa do MEC destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitos -, ele é um mecanismo de fortalecimento desses grupos, com capital cada vez mais concentrado e crescente autonomia em relação aos padrões de ensino e pesquisa.

Segundo Lucri, o programa carece de maior transparência em todo seu funcionamento, desde as instituições de ensino beneficiadas às composições e pautas das comissões de acompanhamento e controle social. “Outras adaptações poderiam envolver a oferta de auxílio de materiais aos beneficiados e a exigência de cursos específicos para a oferta das bolsas, com base na necessidade estratégica de cada região”, diz. “Mas, em geral, é possível indicar que existe margem, dentro e fora do Prouni, para ações mais incisivas e disciplinadoras por parte do Estado que possam tratar com maior urgência questões de interesse coletivo como a qualidade, a cobertura, o acesso igualitário, o caráter do ensino e sua função para a sociedade.”

Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

Para o pesquisador, a governança de interesses neste campo educacional deve ter maior protagonismo do Estado. “De maneira ampla, o Prouni deve estar alinhado ao processo de criação de um sistema de atores públicos e privados com elevado padrão de qualidade, e será aprimorado ao ser enxergado de maneira mais estratégica, disciplinando esses mercados de ensino cada vez mais fortes”, afirma. “Isso significa disciplinar com rigor a flexibilização nas relações profissionais com o corpo acadêmico, a fragmentação institucional ou o incentivo ao curso não presencial, e exigir padrões de qualidade mais rigorosos em ensino e produção científica.”

Políticas como o Prouni e o Fies devem ser aproximadas das instâncias reguladoras, e mesmo uma maior integração de secretarias estratégicas como a Seres (Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior) e a Sesu (Secretaria de Educação Superior), dentro do MEC. “Além disso, essas secretarias deveriam estar associadas a instâncias de fiscalização econômica a fim de evitar a criação de oligopólios de instituições privadas com fins lucrativos, onde condições de ensino e pesquisa são cada vez mais flexibilizadas”, destaca o pesquisador.

Durante a pesquisa, foram realizadas entrevistas com altos burocratas do Ministério da Educação, analisadas à luz dos dados, publicações e estatísticas divulgados por agentes públicos como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e a CGU. “A análise foi feita tendo como referencial a produção acadêmica nacional sobre teoria do estado e ensino superior e publicações internacionais sobre governança pública”, conclui Lucri. O trabalho foi orientado pelo professor Luiz Gustavo Bambini de Assis, da EACH.

Mais informações: email lucri.jean@gmail.com, com Jean Lucri


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