Proteção legal permite acesso turístico nas terras indígenas

Legislação propicia algum controle do ecoturismo e do etnoturismo, mas não garante totalmente autonomia das comunidades

 14/07/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 21/08/2018 às 17:03

Artigo alerta para a necessidade de as leis e a sociedade impedirem que os indígenas sejam transformados em performers – Foto: via Laughing Raven / Pixabay / CC0 Public Domain

Não se visita um território indígena como se visita um parque, um museu… mas é possível visitar terras indígenas? O que se busca ali? Quais são os atrativos para o turista? Até que ponto a inserção da prática turística garante o respeito às culturas desses povos, sobretudo na sociedade capitalista ocidental?  Embasada em instrumentos legais e material acadêmico, uma pesquisa procurou tratar o tema polêmico e estimular uma reflexão sobre a atual realidade do turismo envolvendo comunidades indígenas no Brasil. Tudo isso no contexto das possibilidades trazidas com a regulamentação estabelecida pela Instrução Normativa de 2015, da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Apesar de a lei prever a necessidade de autonomia dos povos indígenas, a regulamentação só se deu em junho de 2015, acirrando o debate sobre o assunto com normas e diretrizes para a visitação pública, publicadas pela Fundação Nacional do Índio – Funai. Nelas, a Funai propõe “iniciativas indígenas sustentáveis de etnoturismo e de ecoturismo, respeitada a decisão da comunidade e a diversidade dos povos indígenas, promovendo-se, quando couber, estudos prévios, diagnósticos de impactos socioambientais e a capacitação das comunidades indígenas para a gestão dessas atividades”. É o que destaca artigo publicado na revista Turismo em Análise, que se fundamenta em instrumentos legais e na literatura sobre o tema, apresenta a legislação indigenista brasileira e as novas perspectivas para a atividade turística, o desenvolvimento econômico e autonomia desses povos.

Arte produzida por povos indígenas – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

A pesquisa demonstrou que a regulamentação da atividade não garante totalmente essa autonomia das comunidades, “uma vez que se faz necessária a autorização da Fundação Nacional do Índio, que pode, inclusive, negá-la”, tendo como agravantes a lentidão do processo e a burocracia, que acabando conduzindo ao turismo ilegal.

Em contrapartida, alguns autores consideram a legislação capaz de propiciar aos índios “a livre escolha dos seus meios de vida e subsistência, […], sendo eles a exercerem o controle dos projetos de ecoturismo e etnoturismo”, reconhecidos pelo Estado e respeitados em seus costumes, tradições, cientes da “determinação de preservar, desenvolver e transmitir seus territórios ancestrais e sua identidade étnica para gerações futuras, contando com perpetuação voluntária da distinção cultural”.

Regulamentação da atividade turística não garante totalmente a autonomia das comunidades indígenas – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

Nesse cenário, o artigo alerta para a necessidade de as leis e a sociedade impedirem que os indígenas sejam transformados em performers, o que atesta o desrespeito aos aspectos culturais e étnicos, como a despersonalização de trabalhos artesanais e a inserção de valores alheios às comunidades indígenas, como consumo de bebida alcoólica e fumo. O Estatuto do Índio, de 1973, aponta “ser crime a utilização de um sujeito ou comunidade indígena como objeto de propaganda turística”.

Apesar das dificuldades em se criar uma política voltada ao turismo em territórios indígenas, a Funai recomenda a criação de um Plano de Visitação, peneirado por rigorosa triagem, partindo do pressuposto que as políticas públicas devem se ater às reivindicações dos próprios índios, impedindo “práticas abusivas como tráfico de plantas e animais”, com participação comunitária da população e ação eficaz do governo, com “medidas de valorização sociocultural e divulgação étnico-cultural para os não indígenas”.

Sandra Dalila Corbaria – Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (Made), bacharel e mestre em Turismo pelo Programa de Pós-Graduação em Turismo pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. corbari91@hotmail.com

Miguel Bahl – Mestre em Turismo e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo – USP, professor na graduação e nos programas de mestrado em Turismo e mestrado e doutorado em Geografia na Universidade Federal do Paraná – UFPR, e também realizou um estágio pós-doutoral desenvolvido na Universidade de Girona, Espanha. migbahl@ufpr.br

Silvana do Rocio de Souza – Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná, doutora em Geografia e professora na graduação e no Programa de Mestrado em Turismo pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. silvanasouza.tur@gmail.com

CORBARI, Sandra Dalila; BAHL, Miguel; SOUZA, Silvana do Rocio de. Legislação Indigenista e Perspectivas para o Turismo em Terras Indígenas no Brasil. Revista Turismo em Análise, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 53-70, maio 2017. ISSN: 1984-4867. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1984-4867.v28i1p53-70. Disponível em: <http://revistas.usp.br/rta/article/view/110460>. Acesso em: 07 jun. 2017.

Margareth Artur / Portal de Revistas do Sibi


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