Proposta de telejornalismo em língua de sinais deve respeitar cultura surda

Artigo na revista “Anagrama” analisa experiências jornalísticas que buscam comunicação efetiva entre a cultura ouvinte e a surda

 21/05/2019 - Publicado há 5 anos

Programa EBC na Rede, publicado em 30 de nov de 2018 – Foto: Reprodução/Canal EBC – Youtube

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As mídias eletrônicas prometem a comunicação direta entre o sujeito e o mundo. Mas, no jornalismo televisivo, como transmitir as informações da maneira mais fiel possível para o telespectador que não ouve? Alguns canais dispõem de programas que apresentam um intérprete que traduz as reportagens faladas para quem não escuta por meio de gestos dirigidos: é a Língua de Sinais – no Brasil, Libras, segundo idioma oficial do País. Mas para além da Libras, os autores de artigo na revista Anagrama destacam a existência de uma cultura surda, apontando a necessidade de formato e narrativas adequadas para uma comunicação efetiva desta com a cultura ouvinte.

Com a criação da Lei nº 10.098, conhecida como Lei da Acessibilidade, não deveria haver limites para as pessoas que não ouvem estarem tão bem informadas quanto as que ouvem, mesmo em um universo de pessoas ouvintes. “Apesar de hoje não ser adequado conceituar surdez como deficiência, a lei foi um importante marco para que os veículos de informação voltassem seus esforços para serem compreendidos por pessoas historicamente impedidas de acessá-los formalmente porque os veículos não eram pensados para pessoas não ouvintes”, esclarecem no artigo os autores. Eles analisam o que tem sido feito, no jornalismo da televisão e do rádio, na busca de “uma comunicação efetiva entre a cultura ouvinte e a surda”, e quais as melhores formas de abordagem sobre a questão, na tentativa de propor recomendações para o jornalismo em Libras.

De acordo com os pesquisadores, o foco no jornalismo se deve ao fato de este ainda ser um dos principais intermediários entre governo e cidadãos, como um “ramo da comunicação social que adapta linguagens e discursos” e “intercalar o caminho entre a informação e a sociedade”. Sobre as experiências de narrativas de rádio para surdos, mostram que essas vão além do som, entrando em cena a multiplataforma (webrádios e podcasts) que conta com recursos gráficos e visuais como infográficos, transcrições e vídeos.

Vida além da fala

A Libras se tornou a segunda língua oficial do Brasil somente em 2002. Hoje, grande parte dos sujeitos que não escutam e dependem da comunicação visual para se comunicar formam a comunidade surda e estão “em contato direto com os artefatos culturais surdos, incluindo os intérpretes e familiares de sujeitos surdos”. Fala-se aqui da cultura surda, que é “o jeito surdo de entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas”.

Os artigo define a “cultura/política ouvintista” como “a prática colonizadora do sujeito ouvinte que caracteriza o sujeito surdo como não pertencente à sua cultura”. Muitas pessoas ouvintes, inclusive, se admiram ao descobrir que existe a cultura e a comunidade surda. O surdo, citando Carlos Skliar, é “obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”. Mesmo pais de filhos surdos que são, em 95% dos casos, ouvintes, ignoram a existência de uma cultura que conta com uma língua própria, a Língua de Sinais, a língua materna dos sujeitos surdos. E que a surdez não é uma perda, não é uma doença que precisa ser curada, mas um outro modo de estar no mundo, de observar, de expressar-se, de ser. Em suma, que existe vida além da fala.

Os autores ressaltam que a Língua de Sinais é, de fato, a primeira língua dos surdos, e não o português, no caso brasileiro. Por isso, mostra-se urgente a necessidade de adaptação das narrativas gráficas em produções visuais jornalísticas, sem esquecer o respeito à cultura surda.

 

Artigo

Medeiros, D. de Souza; Falavina, I. de Oliveira; Baldessar, M. Narrativas jornalísticas para o povo surdo. Anagrama, São Paulo, v. 12, nº 2, 2018. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/anagrama/article/view/150689. Acesso em: 25 abr. 2019.

 

Contatos
Diogo de Souza Medeiros – Acadêmico do curso de Jornalismo da UFSC e bolsista Capes/Pibic.
diogome_deiros@hotmail.com

Iraci Helena de Oliveira Falavina – Acadêmica do curso de Jornalismo da UFSC e bolsista Capes/Pibic.
iracifalavina2@gmail.com

Maria José Baldessar – Doutora em Ciências da Comunicação e professora do curso de Graduação em Jornalismo/UFSC e dos programas de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento e Estudos da Tradução.

Margareth Artur / Portal de Revistas USP


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