Pesquisa aborda memória, oralidade e cultura popular para criar espetáculo de dança

Relação entre corpo, tradição histórica e produção de saber também foi tema do estudo de doutorado realizado na Escola de Comunicações e Artes

 27/08/2019 - Publicado há 5 anos
Tese defendida na ECA foi transformada no espetáculo de dança Guyrá Apó – Ave Raiz – Foto: Bruno Torato

Elaborar a expressão de narrativas orais e manifestações da cultura popular brasileira por meio do corpo, tendo a memória como guia. Foi esse o caminho percorrido por Daniel Santos Costa na tese de doutorado Corpo mnemônico: encruzilhando corporalidades populares brasileiras e histórias de vida num(a) giro(a) performativo(a) decolonial, defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas.

Partindo de vivências junto ao Movimento dos Sem Terra nos anos 90 e do posterior contato com diferentes manifestações da cultura popular, Daniel Costa une estas influências ao seu processo de formação artística e acadêmica e realiza a fusão da busca por uma “história de si” com a procura por “histórias e saberes esquecidos”. Para isso, o pesquisador utilizou a memória como principal fio condutor: “A memória, marcada por lembranças e esquecimentos (e invenções poéticas) dá a tônica para alinhavar uma história vivida, incorporada”. Essa noção de história incorporada valoriza o corpo como veículo para aquisição e produção de saber, pela sua constante interação, através dos sentidos e do movimento, com o meio em que se insere: “Busco revelar o corpo como lugar de conhecimento, um corpo-festa em expansão e comunicação com o espaço circundante, ou seja, um corpo que se revela múltiplo, em comunicação e que se constitui no e pelo movimento.”

Segundo Daniel Costa , existe uma articulação indissociável entre corpo e voz, entendida como a narrativa singular formada a partir das experiências e expressões dos sujeitos. Daniel trabalha essa conexão entre corpo e voz com a noção de corporalidade (corpo + oralidade), o que explica a importância dada às narrativas orais na elaboração da tese e do espetáculo, levando inclusive à incorporação de trechos falados em diversos momentos da performance.

O resgate da oralidade, aliado à sua expressão no corpo, pode ainda ser entendido como um contraponto à noção tradicional de registro histórico, que privilegia a documentação escrita. Dessa forma, ele conecta sua produção artística com seu trabalho como professor: “Atualmente sou docente na Escola de Aplicação da Universidade Federal de Uberlândia e esta pesquisa fortalece a busca por pedagogias decoloniais, de saberes e fazeres que se amalgamam no contorno da cultura e oralidade popular brasileira.” Segundo teóricos da área, as pedagogias decoloniais buscam refletir de maneira crítica sobre o caráter predominantemente eurocêntrico das narrativas e práticas culturais hegemônicas e, ao mesmo tempo, dar visibilidade e protagonismo a vozes e práticas que por muito tempo foram invisibilizadas ou mesmo rechaçadas.

O trabalho contou com orientação da professora Sayonara Sousa Pereira, do Departamento de Artes Cênicas (CAC) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e teve financiamento da Capes de 2015 a 2019.

A tese também teve um resultado prático: o espetáculo de dança Guyrá Apó – Ave Raiz. A escolha do tupi-guarani antigo para nomear a performance está ligada ao fato do trabalho refletir sobre as raízes de um sujeito marcado pelo cruzamento das culturas indígena, africana e europeia. “Buscar a língua tupi foi buscar outros modos de relação com o corpo. Foi um relacionar de um corpo (sem) terra, aquele que viveu histórias junto à luta pela terra no MST e na problematização com um corpo da terra, dos povos originários do Brasil.”

Guyrá Apó – Ave Raiz foi criado em parceria com a Confraria da Dança (companhia de Campinas, SP), com direção de Diane Ichimaru e composição musical original de João Arruda. O espetáculo foi financiado pelo Fundo de Investimentos Culturais de Campinas (FICC 2018), da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas, e estreou em dezembro de 2018. As próximas apresentações acontecerão nos dias 6 e 7 de setembro. Para mais informações, clique aqui.

Daniel Costa acredita que é necessário expandir a compreensão sobre a pesquisa prática, sustentada no fazer performativo, e considera que os resultados de seu trabalho são uma contribuição neste sentido. Sayonara Sousa Pereira destaca como a tese aborda fatos da história brasileira valendo-se de uma combinação de registros (biográfico, artístico e científico) e seu caráter pioneiro quanto à escolha de temas: “A tese do Daniel Costa traz diversas contribuições para o campo das artes cênicas no sentido de que a pesquisa dele é um ‘abre-alas’ que poderá encorajar outros pesquisadores a falar de temas tão viscerais como memória, história oral e manifestações populares brasileiras”.

Amanda Ferreira / Assessoria de Comunicação da ECA


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