O som ao redor: projeto quer estudar fazeres musicais em suas localidades

Projeto interunidades e interinstitucional busca ampliar o campo da etnomusicologia

 10/05/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 31/05/2016 as 10:53
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Quem faz música? Como faz? Onde faz? Para os pesquisadores da etnomusicologia, as respostas a estas perguntas não podem ser lineares. O local é pensado de uma forma dinâmica, como ponto de encontro entre pessoas, ideias e práticas. E o ato de fazer música, ampliado para muito além da criação e execução de uma canção ou obra erudita.

Refúgios Culturais, no Sesc, com oficina de turbantes e show do grupo Os Escolhidos, do Congo - Foto: Rose Satiko Gitirana Hikiji/RSGH
Refúgios Culturais, no Sesc, com oficina de turbantes e show do grupo Os Escolhidos, do Congo – Foto: Rose Satiko Gitirana Hikiji-RSGH/FFLCH

Coordenado pela professora Suzel Reily, do Instituto de Artes (IA) da Unicamp e contando com as pesquisadoras Flavia Camargo Toni, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e Rose Satiko Hikiji, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o projeto “O Musicar Local – novas trilhas para a etnomusicologia” concentra especialistas de diferentes níveis e de diversas instituições.

Em 2016, o grupo de 27 pesquisadores encaminhou para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) o projeto que tem como objetivo desbravar o campo da etnomusicologia, o estudo das formas e atividades musicológicas de todas as culturas. “A etnomusicologia é uma área entre a música e a antropologia que se dedica a estudar fazeres musicais em contextos os mais diversos possíveis”, explica Rose Satiko, coordenadora do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa) da USP, uma das sedes do grupo.

A ideia por trás da iniciativa é investigar os fazeres musicais em sociedades ocidentais e não ocidentais, como as ameríndias ou africanas, abrindo o leque para múltiplos objetos de pesquisa na área. “Existem estudos hoje sobre um campo que era considerado só da musicologia, que é o campo da música erudita, da música de concerto”, exemplifica Rose.

Reunidos para formular o projeto desde meados de 2015, os participantes formalizaram a ideia a partir de uma série de discussões teóricas que levaram ao estabelecimento de metodologias específicas.

O Musicar Local

Partindo do conceito “musicar”, criado pelo músico e educador neozelandês Christopher Small, a iniciativa quer colocar em foco a diversidade das formas de engajamento musical em localidades diversas. “A ideia de ‘musicar’ quer descrever todas as formas de engajamento em torno da música”, pontua a docente. Dentro dessa concepção, música vai além de apenas produzir sons por meio de um instrumento ou da voz. “Se pensarmos numa sala de concerto, o ‘musicar’ envolve desde os músicos da orquestra, a pessoa que distribui as partituras para os músicas até quem que vai limpar a sala. Para o ‘musicar’ acontecer existe a ação de muitas pessoas que não necessariamente são músicos”, exemplifica.

A ideia de ‘musicar’ quer descrever todas as formas de engajamento em torno da música.

Além disso, o projeto também pretende investigar a relação entre música e localidade a partir das práticas das pessoas envolvidas no musicar. “Estamos pensando em localidade de uma forma dinâmica”, esclarece Rose. Questões como a natureza do musicar no contexto local e de que maneira pessoas, coisas, tecnologias, instituições interagem nas práticas do musicar são algumas das temáticas centrais a serem investigadas.

Da cantoria dos catadores ao forró dos guaranis

Nos quatro eixos temáticos que constituem o projeto, as pesquisas que já estão em andamento examinam desde fenômenos pontuais em comunidades remotas até situações urbanas por meio do viés da etnomusicologia.

Grupo Esperança, do Togo, em aula na Ocupação Cambridge - Sylvia Caiuby Novaes
Grupo Esperança, do Togo, em aula na Ocupação Cambridge – Foto: Sylvia Caiuby Novaes

Na tese do doutorando Klaus Wernet, o foco são os grupos Guaranis que executam diversos gêneros de música popular como, forró, rap, pop, sertanejo e romântico, e atuam em múltiplas localidades, englobando a comunidade imediata bem como estúdios de gravação. Já no trabalho de Rose com o antropólogo e africanista da University of Sussex no Reino Unido, Jasper Chalcraft, o objetivo é documentar as performances de músicos imigrantes, destacando como essas práticas colaboram para a construção de espaço para suas comunidades no Brasil.

Dentre as diversas abordagens contempladas no projeto está também a pesquisa da mestranda Paola Lappicy, que investigará o musicar de catadores de lixo em São Paulo no decorrer de suas jornadas de trabalho.

De acordo com Rose, após a aprovação da Fapesp, a ideia é que novos orientandos dos pesquisadores doutores possam ser trazidos para o projetos. “O projeto prevê a relação de pós-doutorados relacionados ao tema. Serão abertos editais para receber pesquisadores, inclusive de fora do país”, destaca.

Expansão do campo

Além dos antropólogos, músicos profissionais e músicos amadores que participam da empreitada estão interessados em se aproximar de uma reflexão que sempre esteve presente no campo da antropologia, mas que, especificamente no campo da etnomusicologia, ainda precisa e pode ser expandida.

Para a coordenadora do Lisa, que já fez parte de quatro projetos temáticos apoiados pela Fapesp nas áreas de antropologia visual e antropologia da performance, o projeto vai permitir também que especialistas do laboratório possam se dedicar ao estudo dos aspectos sonoros e musicais, relativos à produção de oralidade. Além de fazer do local um ponto de encontro para especialistas de diversos institutos dentro e fora do país.

Com artigos, simpósios, workshop, filmes etnográficos e até mesmo a realização de concertos entre os resultados previstos nos próximos cinco anos, a proposta, que aguarda a aprovação da Fapesp até agosto, veio para ampliar os estudos em etnomusicologia no país. “É uma área ainda com pouca presença, até mesmo no Departamento de Antropologia, por isso essa vai ser uma oportunidade de fortalecer o campo”, finaliza.

Mais informações: site www.lisa.usp.br, acesse também o Dossiê da Revista USP sobre Etnomusicologia. 


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