Grupos LGBT buscam seu espaço nas comunidades futebolísticas

Pesquisa expõe a manifestação de pessoas LGBT que reivindicam o direito de torcer sem represálias de outros torcedores

 15/05/2018 - Publicado há 6 anos
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Torcida organizada faz manifestação contra a homofobia – Foto: Reprodução / Timbers e Chivas via Youtube

Um trabalho realizado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP expôs a homofobia e o machismo dentro das torcidas de futebol, e também seu contraponto. Em seu estudo de doutorado, Maurício Rodrigues investigou a história das torcidas gays e dos movimentos contrários à homofobia e ao machismo no futebol, mostrando que essas minorias sociais estão cada vez mais se impondo no cenário do esporte. “Esses grupos produzem discursos que vão na contramão dos discursos hegemônicos no futebol”, diz Rodrigues.

Identificação

De acordo com o pesquisador, o futebol, assim como o esporte em geral, reflete os valores da sociedade patriarcal e machista em que está inserido. Dessa forma, o atleta por excelência considerado é o homem viril heterossexual, o que limita a identificação de qualquer indivíduo que não se enquadre nesse padrão. Os próprios torcedores transformam o debate e o espaço futebolístico em hostis à mulheres e à comunidade LGBT.

A fim de se imporem como torcedores de futebol e confrontarem a ideia de que o esporte é algo “para macho”, diversas páginas de “torcida livre” começaram a surgir na internet. São assim chamadas por serem um local em que as pessoas têm a oportunidade de se afirmarem enquanto torcedores sem sofrerem discriminação direta, revelando que os fãs de futebol são muito mais heterogêneos do que se vê nos estádios.

Apesar da presença ostensiva e intrínseca da homofobia e machismo no esporte, minorias começam a se impor no cenário esportivo – Foto: Visual Hunt

Violência simbólica

A simples existência desses espaços virtuais é vista como uma afronta à ordem heteronormativa (aquela em que orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas), o que leva a uma perseguição por parte dos chamados haters, pessoas que ofendem e perseguem essas páginas, disseminando um discurso de ódio. Esse tipo de conduta é realizada, em sua maioria, por torcedores homens, heterossexuais e do mesmo time que as torcidas livres. Ou seja, há uma negação dos torcedores homens heterossexuais em sequer aceitarem a presença de grupos femininos e LGBTs dentro da torcida de seus times. “Para eles, não estar dentro desse parâmetro de masculinidade hegemônica significa ser inferior ao seu adversário”, explica Maurício Rodrigues.

Essa conduta revela uma violência não direta, porém simbólica, que assusta quem faz parte dessas minorias sociais, fazendo com que não se apresentem em espaços públicos, como estádios e bares em que as pessoas se reúnem para torcer. Além disso, existe uma série de ações heteronormativas presentes no futebol que geram desconforto e constrangimento às minorias de gênero e sexualidade, como as ofensas homofóbicas proferidas durantes os jogos, os assédios sofridos pelas mulheres em estádios e a suposição de um desconhecimento do esporte por essas pessoas, já que não se trata de homens heterossexuais.

Apesar dessa presença ostensiva e intrínseca da homofobia e machismo no esporte, o fato dessas minorias começarem a se impor no cenário esportivo dá visibilidade para esse problema, mudando a forma como ele era pautado pelas comunidades de torcidas.

O debate ainda está dando seus primeiros passos, já que só agora o tema tem se mostrado uma pauta fixa. Têm havido, recentemente, ações de alguns clubes de se disponibilizarem a falar sobre questões das diversidades, mas o pesquisador não se anima muito a respeito: “É um discurso genérico e não tão contundente como quanto ao racismo”.

Histórico

A reivindicação de grupos LGBT e femininos por espaço no futebol não é algo que surgiu agora. A pesquisa de Maurício Rodrigues recorda a existência de torcidas gays desde os anos 1970, como a FlaGay e a ColiGay, torcidas livres do Flamengo e do Grêmio, respectivamente, que eclodiram num contexto de efervescência política no País. Entretanto, houve uma reação contrária muito forte a esses grupos, o que fez com eles se desorganizassem. As outras torcidas ficaram receosas de que o mesmo acontecesse em seus times, reprimindo ainda mais esse tipo de manifestação.

Após muitos anos, a sexualidade no esporte voltou a ser pautada nos anos 2000, com o caso do jogador Richarlyson, na época contratado pelo São Paulo Futebol Clube. O jogador sofreu diversos casos de homofobia em sua carreira devido a um suposto jeito “afeminado”, mesmo se declarando heterossexual. No mesmo período surgiu a torcida Gaivotas Fiéis, uma torcida gay do time Corinthians criada por um jornalista homossexual. Após inúmeras ameaças e represálias da parte de outros torcedores, esse grupo não chegou a se concretizar.

Em 2013, com o aumento dos movimentos políticos de internet e o uso das redes como espaço de manifestação política, ressurgiu o debate sobre torcida e política. Dessa forma, começaram a surgir as comunidades de torcida livres na internet.

A tese Pelo direito de torcer: das torcidas gays aos movimentos de torcedores contrários ao machismo e à homofobia no futebol teve orientação do professor Marco Antonio Bettine de Almeida, da EACH.

Mais informações: maorodrigues9@gmail.com, com Maurício Rodrigues


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