Falta governança corporativa para profissionalizar futebol no Brasil

Apenas três de 20 times da série A aplicam a governança corporativa, modelo administrativo amplamente usado por clubes europeus

 03/04/2018 - Publicado há 6 anos
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A prática da gestão corporativa inclui mecanismos como existência de conselho fiscal de administração, comitê de auditoria, realização de auditorias internas e externas, entre outros que servem para prestar contas às partes interessadas – Foto: Andre Borges/ Agência Brasília

O Brasil se considera “o país do futebol”, e não é difícil encontrar um garoto que sonha ser jogador profissional. Mas quão profissional é, de fato, o futebol brasileiro? Para Renan Barabanov Assis, mestre em ciências contábeis pela Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, a resposta é pouco.

Ele pesquisou a questão em sua dissertação de mestrado e, ao observar a administração dos clubes brasileiros, percebeu que os resultados não condizem com a alcunha de “país do futebol”, da qual muitos de nós nos orgulhamos. Dentre os 20 clubes da série A do campeonato nacional, apenas três aplicam a governança corporativa ー modelo administrativo amplamente usado por clubes europeus, como Manchester United, Real Madrid e Bayern de Munique. São eles: Palmeiras, Grêmio e Flamengo, o primeiro tendo sido analisado mais a fundo na dissertação.

Assis conta que a ideia de estudar o tema aplicado ao esporte surgiu depois de conversar com o professor Peter Wirtz, da Universidade de Lyon, com quem fez um curso na área. “Gestão corporativa é ter conselho fiscal de administração, comitê de auditoria, auditoria interna e externa, entre uma série de outros mecanismos que servem para prestar contas a todas as partes interessadas”, explica o pesquisador. Se a prática é nova nos clubes de futebol brasileiros, que ー ainda que não todos ー vêm aplicando-na aos poucos, ela já é amplamente utilizada em clubes europeus, como os ingleses e alemães. Um exemplo do quão fortalecedor é esse sistema administrativo é o Manchester United, clube mais rico do Planeta, que possui uma administração tão bem desenvolvida que lhe permite ter ações na bolsa de valores como forma de investimento.

Das planilhas aos títulos

Em seu estudo de caso em que a Sociedade Esportiva Palmeiras foi o principal objeto, Renan Assis se baseou não só na pesquisa de campo, mas também na literatura sobre o assunto, que na Europa é bem rica. “Se nós colocarmos ‘Corinthians’ no Google Scholar, vão aparecer 300 resultados, mas se colocarmos ‘Manchester United’, vão aparecer 10 mil.” O desenvolvimento administrativo robusto dos clubes europeus, que se reflete no tempo e nos recursos investidos pela academia, tem impacto direto não só no poderio econômico dos times, como também nos resultados obtidos em campo. “O Leeds quase foi campeão europeu, e há dez anos não joga na primeira divisão da Inglaterra; o Valencia por muito pouco não foi rebaixado, e já foi campeão espanhol. Mas ninguém imagina hoje o Real Madrid ou o Barcelona caindo. E não caem mesmo. Os clubes estão muito bem estruturados”, analisa.

Renan Assis uniu sua paixão por futebol aos conhecimentos em governança corporativa para realizar o estudo – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Para o pesquisador, no Brasil, a falta desse planejamento vem do atraso na profissionalização dos clubes por um fator cultural. “Nós temos uma forma de administração e gerenciamento que anda devagar”, avalia ele, e completa: “Há, também, o fato de estarmos ganhando [em contexto continental] e aquela crença de que ‘em time que está ganhando não se mexe’.”

Assis lembra que clubes brasileiros que estão desenvolvendo a governança corporativa, se fortalecendo e se atualizando administrativamente, podem até não ter ganho nada em 2017, como foi o caso do Palmeiras, e não vir a ganhar títulos em 2018 ou em 2019, mas sempre estarão lá no páreo, disputando, pois o planejamento  é pensado para longo prazo.

Um alerta feito, no entanto, é para que todos os times se desenvolvam juntos. Isso deve ocorrer para que possam competir em pé de igualdade com clubes de nível mundial como Barcelona, Real Madrid e Bayern de Munique, mas de modo que não percam a competitividade entre si no âmbito nacional, como ocorreu na Espanha, em que Real Madrid e Barcelona se desenvolveram sozinhos. Por fim, ele ressalta a necessidade de mais pesquisas acadêmicas como essa, em que “o objetivo é responder a algum problema que a sociedade enfrenta” em determinado campo. Para o especialista, os clubes são cobrados para que se desenvolvam, se fortaleçam e se profissionalizem, porém não têm disponíveis tantas ferramentas ou mecanismos para tal, e a academia pode fornecer os meios para que esses objetivos sejam alcançados.

Mais informações: e-mail renan.assis@usp.br, Renan Barabanov de Assis


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