Estudo busca entender como as palavras emergiram na evolução humana

Outro objetivo é incentivar uma nova área de estudos no Brasil: a biolinguística, que incorpora conceitos de biologia, psicologia, neurociências e antropologia

 28/06/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 15/12/2016 as 10:48
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Em algum momento da história da evolução humana, provavelmente entre 100 mil e 50 mil anos atrás, os seres humanos adquiriram a faculdade da linguagem, capacidade biológica específica presente na mente/cérebro de todas as pessoas, que nos permite adquirir, compreender e produzir linguagem. Paralelamente ao surgimento dessa faculdade, emergiu também a capacidade humana de expressar ideias e conceitos através de palavras. Descobrir como o ser humano adquiriu essa capacidade é a tarefa empreendida atualmente pelo doutorando Vitor Augusto Nóbrega, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob orientação da professora Ana Paula Scher.

Outro objetivo do estudo é incentivar, no Brasil, uma nova linha de pesquisa: a biolinguística. Para isso, serão necessários estudos teóricos ligados à linguística, como também incorporar conceitos da biologia, psicologia, neurociências e antropologia, entre outras áreas do conhecimento.

Entre 100 e 50 mil anos atras, a espécie humana adquiriu a capacidade de expressar ideias e conceitos através de palavras - Foto: Neanderthal Museum
Entre 100 e 50 mil anos atras, a espécie humana adquiriu a capacidade de expressar ideias e conceitos através de palavras – Foto: Neanderthal Museum

Nóbrega explica que as crianças já nascem geneticamente com a capacidade para aprender qualquer língua, inclusive a de sinais. Em um curto período de tempo, com 3 ou 4 anos, elas conseguem dominar as línguas a que forem expostas. O vocabulário de um adulto é de cerca de 50 a 60 mil palavras. Já os primatas têm aproximadamente algumas dúzias de vocalizações e grunhidos. A pergunta que o pesquisador investiga é, especificamente, qual a inovação evolutiva que permitiu que a espécie humana pudesse expandir enormemente seu vocabulário (léxico).

“Os macacos Vervet, do Quênia, produzem três vocalizações de alarme distintas, uma para cobras, outra para leopardos e outra para águias. Cada uma provoca uma reação de defesa diferente no grupo. Esses animais apresentam, portanto, uma capacidade de expressar conceitos, mas não a variedade e o grau de complexidade dos conceitos empregados pelos seres humanos, os quais podem expressar ideias utilizando variação de pessoa, gênero, número e de tempo verbal, conceitos abstratos como saudade, eventos como correr, sendo que muitas vezes uma mesma palavra na linguagem humana apresenta diversos significados.”

Nova teoria

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Foto: José Luis Olivares/MIT

De acordo com o pesquisador, a chave para entender esse léxico tão amplo e expansível dos seres humanos está na raiz que dá origem às palavras. “Raiz pode ser entendida como algo primitivo e totalmente abstrato existente na mente humana e que pode dar origem a vários conceitos”, diz. Um exemplo é a palavra “gato”. Dependendo do contexto, ela pode definir “animal” (conceito 1), “homem bonito” (conceito 2) ou “ligação clandestina de fios” (conceito 3), e qualquer outro conceito que ela possa vir a ter. “A raiz não tem ligação direta com o som nem com um significado específico. Trata-se de algo anterior a isso: é aquilo que é originalmente abstrato e pensado na mente humana para definir algo. O som emerge posteriormente, quando a espécie humana percebe as vantagens evolutivas que a transmissão de ideias entre seus membros pode conferir à espécie”, explica.

A partir dessa teoria será possível elencar uma série de fatos que irão indicar possíveis estratégias para a investigação da emergência do vocabulário humano. “Começamos contrastando a natureza das palavras com o comportamento animal, no emprego das vocalizações de alarme e, com isso, buscamos verificar no que variam, o quanto se distanciam e se aproximam”, diz.

Palavras compostas

No mestrado, o pesquisador estudou como são formadas as palavras compostas como “limpa-vidros”, “peixe-espada”, etc., em diversas línguas, e quais são as características mínimas necessárias para a formação delas em qualquer idioma. Os resultados do estudo elucidaram e corroboraram uma proposta anteriormente desenvolvida pelo pesquisador Shigeru Miyagawa, professor de linguística e língua e cultura japonesa no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

20160628_02_linguagemNóbrega entrou em contato com Miyagawa e, juntos, eles avançaram sua hipótese levando em consideração a formação das palavras. A hipótese geral é a de que dois sistemas biológicos independentes encontrados isoladamente na natureza se integraram unicamente nos seres humanos e deram origem ao sistema que gera e combina palavras na faculdade da linguagem. Isso ocorreu devido à junção de um sistema lexical, presente nas vocalizações de alarme de primatas não-humanos, e de um sistema expressivo, encontrado no canto dos pássaros.

“Quando esses dois sistemas encontrados separadamente na natureza foram integrados, surgiram o sistema combinatorial e os primitivos que dão origem às palavras da linguagem humana, ou seja, as raízes e as informações gramaticais”, afirma o pesquisador. Agora, no doutorado, Nóbrega está aprofundando esses conhecimentos e pretende explicar, por meio de uma nova teoria, como o seres humanos puderam ampliar consideravelmente seu vocabulário.

Mais informações: email vitor.augusto.nobrega@gmail.com, com Vitor Nóbrega


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