Decisão do STF sobre doação eleitoral aponta para esgotamento de sistema

Segundo o cientista político Bruno Speck, ministros derrubaram um dos fundamentos do funcionamento das eleições nos últimos 20 anos

 22/09/2015 - Publicado há 9 anos     Atualizado: 21/10/2019 as 15:19
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O modelo de financiamento eleitoral que vigora no Brasil há 20 anos pode estar sofrendo de estafa. Sinal disso foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, no dia 17 de setembro, que define que é inconstitucional a doação de empresas a campanhas eleitorais e partidos políticos. O cientista político Bruno Speck, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, considera que o modelo adotado pelo Brasil na década de 1990 foi uma solução inteligente para resolver um problema herdado do regime militar. Mas, passadas duas décadas, é possível que essa solução não tenha mais a mesma legitimidade entre a sociedade.

Em entrevista ao vivo para o Ciência USP, veiculada pela Rádio USP, Speck explicou que as doações de empresas a campanhas eleitorais eram proibidas desde a ditadura militar, mas foram legalizadas a partir das eleições de 1994. O estopim para a opção dos legisladores pela legalização desse tipo de doação foi escândalo de corrupção e caixa dois que envolveu o ex-presidente Fernando Collor e seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias.

“Na prática, na abertura política, partidos e empresas passaram a desrespeitar a legislação. Já existia forte financiamento empresarial. Então, o legislador optou por adequar a lei à prática, o que foi uma solução inteligente no momento de transição. Aumentou a transparência, as prestações de conta hoje são muito melhores. Mas depois de 20 anos, talvez esse modelo não tenha mais a legitimidade que já teve”, disse Speck, em entrevista às jornalistas Silvana Salles e Mônica Teixeira. “A decisão do STF derruba um sistema que é um dos fundamentos do financiamento eleitoral nos últimos 20 anos”, completa.

A recente decisão do STF traz um novo problema, uma vez que, atualmente, as doações de empresas às campanhas representam 75% do financiamento eleitoral. Os demais 25% vêm de doações de pessoas físicas, arrecadações em eventos, recursos dos próprios candidatos e outras pequenas aplicações de campanha. Para o professor da USP, o julgamento da inconstitucionalidade das doações empresariais cria dois potenciais problemas: como o Congresso reagirá à decisão e quais recursos cobrirão o elevado montante do financiamento das eleições que, até 2014, veio das empresas.

Ele reconhece que não é saudável o funcionamento do sistema no Brasil, no qual poucas dezenas de empresas aparecem como financiadoras da maior parte dos recursos das candidaturas. A partir daí, poder-se-ia debater o estabelecimento de tetos máximos para as doações de empresas ou a permissão de doações de associações e grupos de interesses, como sindicatos, associações empresariais ou até grupos de defesa dos animais, por exemplo. “Eu creio que essa seria uma mudança bem radical no atual sistema, que isola os partidos de todos os grupos de interesse. Vínculos entre associações e partidos são saudáveis e acontecem em todo o mundo, e também significam apoio financeiro. Todos os partidos trabalhistas do mundo têm vínculos estreitíssimos com sindicatos”, afirmou Speck.

Comentando sobre as propostas de financiamento público exclusivo elaboradas por alguns partidos e movimentos sociais, o cientista político contou que esse tipo de sistema se divide em três modelos: um igualitário, um proporcional e um que tenta engajar os cidadãos por uma via de mercado. No primeiro caso, os recursos públicos são repartidos igualmente. No segundo, que é o que o Brasil faz de forma complementar por meio do fundo partidário, os partidos recebem uma quantia proporcional à sua representação no Legislativo. O terceiro, menos discutido, prevê um sistema no qual o estado paga a conta, mas quem decide quanto cada partido receberá são os cidadãos. É um modelo semelhante ao do Canadá, no qual pequenas doações de cidadãos são reembolsadas na hora de pagar os impostos.

Apresentação do programa: Silvana Salles e Mônica Teixeira, do Núcleo de Divulgação Científica da USP
Trabalhos técnicos: Equipe Rádio USP


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