Candidatos evangélicos precisam gastar menos para ter mesmo número de votos que não evangélicos, aponta estudo

Pesquisadora analisou 466 candidatos a deputado estadual e federal das eleições de 2014 que utilizaram nomes de urna com as palavras apóstolo, bispo, pastor, missionário e irmão

 31/08/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 16/07/2020 as 15:15
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Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
Pesquisadora acredita que os candidatos evangélicos mapeiam melhor quem são os seus eleitores: eles sabem quem é e onde está o seu eleitorado – Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Nos últimos anos, houve um crescimento do número de candidatos evangélicos disputando cargos políticos. Ao observar esse fato, a cientista política Gabriela Figueiredo Netto decidiu pesquisar o tema e identificar o modelo de financiamento das campanhas eleitorais desses candidatos. Uma das conclusões do estudo é a de que para conseguir um mesmo número de votos, os evangélicos gastam menos dinheiro que o grupo não evangélico.

Os dados estão na dissertação de mestrado Quando o dinheiro importa menos: uma análise do financiamento de campanhas eleitorais dos candidatos evangélicos, defendida em janeiro deste ano na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A pesquisa foi apresentada ao Departamento de Ciência Política da FFLCH, sob a orientação do professor Bruno Wilhelm Speck.

A pesquisadora trabalhou com dados da eleição de 2014 para deputados estaduais e federais, num universo de 17.737 candidatos. Essas informações estão disponibilizadas em um banco de dados no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além do nome completo, o site também disponibiliza outros dados como o nome de todos os candidatos, o total gasto em campanha, o quanto eles receberam de doações, se foram eleitos ou não, e o número de votos recebidos.

Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil
Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil

Como o site não indica a religião dos candidatos, Gabriela analisou os nomes de urna (aqueles utilizados para a propaganda eleitoral) que continham as palavras apóstolo, bispo, pastor, missionário e irmão. “Usando esse critério, selecionei 466 candidatos”, conta. Segundo a pesquisadora, apesar de esses nomes também poderem ser utilizados por candidatos de outras religiões, eles são muito mais comuns entre os evangélicos.

A partir dessa seleção, a pesquisadora fez algumas comparações com o grupo não evangélico. Para isso, ela aplicou um teste estatístico e criou uma fórmula. A primeira comparação foi se os evangélicos tinham arrecadação financeira semelhante aos não evangélicos. A hipótese inicial era a de que como os candidatos evangélicos se deslocam menos nas cidades e as campanhas ficam centradas nas igrejas e em reuniões com fieis, a arrecadação seria inferior. “No entanto, constatamos que não há diferença quanto ao volume de arrecadação entre os dois grupos”, conta Gabriela.

Como gastam?

Outra questão pesquisada foi: mesmo não tendo diferenças de arrecadação de recursos, os candidatos evangélicos despendem dinheiro de forma diferente, quando comparados aos não evangélicos? Gabriela explica que no site do TSE está especificado como cada candidato gastou o dinheiro da campanha. O site classifica o gasto do dinheiro em 33 maneiras distintas: alimentação, deslocamentos, alugueis de imóveis, alugueis de carros, materiais impressos, etc. “Trabalhamos com a hipótese de que como esses candidatos se concentram mais na igreja, eles se deslocariam menos e gastariam mais dinheiro com materiais impressos, banners, placas, e carros de som. É isso que a literatura científica cita”, explica a cientista política.

Culto em uma igreja evangélica - Foto: Wikimedia Commons
Culto em uma igreja evangélica – Foto: Wikimedia Commons

Entretanto, nos testes estatísticos, ficou constatado que os candidatos evangélicos gastam menos em materiais impressos; e carros de som, quando comparados ao grupo de não evangélicos. “Mas quando comparamos dentro do próprio grupo evangélico, percebemos que eles gastam muito”, esclarece a pesquisadora.

No entanto dizer o quanto em dinheiro é “muito” ou “pouco” é difícil. Por isso, foi preciso levar em conta as diferenças regionais. “No Acre, R$ 100 mil é muito dinheiro para uma campanha eleitoral de um candidato a deputado; já em São Paulo, essa mesma quantia é pouca”, pondera.

A terceira questão foi analisar o efeito do dinheiro arrecadado sobre o voto e o sucesso eleitoral (se ele foi eleito ou não). “Em relação ao voto, o fato de ser um candidato evangélico não faz com que ele ganhe mais ou menos votos se comparado com os não evangélicos, não sendo possível estabelecer uma relação entre o dinheiro arrecadado na campanha e o número de votos. Entretanto, há aqueles que, mesmo obtendo relativamente poucos votos, conseguem se eleger por conta do sistema eleitoral”, explica. Mas em relação ao sucesso eleitoral, a pesquisadora constatou que o dinheiro rende mais para os candidatos evangélicos. Ou seja, para conseguir um mesmo número de votos, os evangélicos gastam menos dinheiro que o grupo não evangélico.

Gabriela acredita que os candidatos evangélicos mapeiam melhor quem são os seus eleitores: eles sabem quem é e onde está o eleitorado. “A igreja também pode ser vista como um apoio forte. Algumas, como a Igreja Universal do Reino de Deus, apoia declaradamente alguns candidatos; em outras, como a Igreja Batista, isso não ocorre.”

Eduardo Cunha e Marco Feliciano

Deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) consegue um bom número de votos dentro da comunidade evangélica – Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Alguns candidatos reconhecidamente evangélicos não utilizam nome de urna associado à religião. Este é o caso do deputado federal Eduardo Cunha, ligado à Assembleia de Deus. “Mas ele é uma força institucional muito forte dentro do PMDB e consegue um bom número de votos dentro da comunidade evangélica”, diz a pesquisadora. “Quanto ao também deputado federal Marco Feliciano, nas eleições de 2010 ele usou apenas o próprio nome. Mas em 2014 ele incluiu o “pastor” antes do nome.”

Gabriela faz algumas ressalvas quanto aos dados obtidos na pesquisa, pois se referem apenas à eleição de 2014. “Além disso, o modo de financiamento das campanhas eleitorais foi alterado. Antes, as empresas privadas podiam doar até 2% do faturamento bruto. Agora, somente pode haver doação de pessoas físicas”, diz. “Se a igreja vai repassar valores para um candidato evangélico será de forma oculta, pois é considerado ilegal. Entretanto, ela pode não dar o dinheiro vivo, mas sim o apoio institucional. São recursos que não perpassam pelo dinheiro”, finaliza.

Mais informações: email gabrielafnetto@usp.br, com a pesquisadora Gabriela Netto

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