16/05/2019
Texto: Ivanir Ferreira
O ano era 1754 e o local, a Justiça Eclesiástica, na cidade de Jundiaí, interior de São Paulo. As rés, Thereza Leyte e Escholástica Pinta da Silva, mãe e filha, estão no tribunal do Santo Ofício acusadas de terem feito um pacto com o demônio e matado o primeiro marido de Escholástica, Manoel Garcia, utilizando feitiçarias. A Inquisição no Brasil – movimento da Igreja Católica criado para combater heresias e ameaças à doutrina cristã – teve início no período colonial, mas já vinha ocorrendo em países da Europa como França, Itália e Portugal desde o século 12. No Brasil, o movimento se consolidou por meio do Tribunal do Santo Ofício, que recebia visitas de inquisidores vindos de Portugal para investigar comportamentos e práticas diferentes dos estabelecidos pela Igreja Católica.
A descrição deste cenário medieval é real e foi analisado pela pesquisadora e filóloga Narayan Porto em sua pesquisa de mestrado Feitiçaria paulista: transcrição de processo-crime da Justiça Eclesiástica na América portuguesa do século 18. O trabalho foi apresentado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP dentro do projeto Bruxas Paulistas, sob orientação do professor Marcelo Módolo, do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa.
Narayan analisou os manuscritos originais encontrados na Cúria Metropolitana de São Paulo sobre um processo-crime envolvendo as duas mulheres. A investigação foi realizada do ponto de vista da filologia, ciência que trabalha com o estabelecimento do texto, ou seja, trazer o texto da forma como ele foi criado pelo autor. Além de revelar a incrível história das supostas feiticeiras, o estudo verificou questões relacionadas ao tipo de papel utilizado na escrita, a tinta, as abreviaturas e outros aspectos da língua portuguesa do século 18. O trabalho também buscou elucidar como o Tribunal do Santo Ofício agiu na Europa e na América portuguesa e sua respectiva atuação no Brasil colonial.