Boneca muçulmana influencia formação das meninas islâmicas

A Fulla, como é conhecida, reflete os costumes, hábitos e comportamentos do mundo islâmico

 23/10/2019 - Publicado há 4 anos

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A boneca Fulla é o avesso da Barbie americana. Ela representa uma jovem muçulmana, morena com traços árabes, trajando roupas que cobrem o corpo, véu para esconder os cabelos e, às vezes, o rosto todo.  – Foto: Reprodução / Islã & Vida

A boneca mais famosa do mundo é a Barbie americana, muito conhecida e vendida no Ocidente. No Oriente Médio, existe uma outra boneca: a Fulla, tida como a Barbie muçulmana. A Barbie tradicional é um dos produtos representantes da cultura ocidental de hoje que institui um padrão de beleza feminina cultuando a mulher de aparência jovial, usando roupas chamativas e sensuais, de preferência loira de olhos claros. Já a Fulla é o avesso da americana, e representa uma jovem muçulmana, morena com traços árabes, trajando roupas que cobrem o corpo, véu para esconder os cabelos e, às vezes, o rosto todo. 

O artigo Fulla – A boneca muçulmana. A formação da personalidade de meninas islâmicas através do ato de brincar, de autoria da pesquisadora Carolina Boari Caraciola, foi publicado na revista Signos do Consumo e analisa a influência da religião islâmica na formação da personalidade infantil. “Mais do que uma boneca ou uma marca, Fulla representa o contexto cultural no qual a menina, público consumidor do produto, está inserida, reforçando os códigos religiosos e de conduta“, diz o texto. A marca Fulla reflete os costumes, hábitos e comportamentos islâmicos. A autora traça um perfil histórico da cultura e da sociedade islâmicas, para introduzir a boneca Fulla como representante de todo um universo infantil muçulmano. A palavra Islã significa “submissão à Vontade de Deus e Obediência à Sua lei“. O seguidor do Islã é um muçulmano que, submetendo-se à vontade de Deus, em árabe, Allah, encontra a paz e a felicidade. 

Meninas muçulmanas têm suas personalidades influenciadas pela boneca Fulla – Foto: Pixabay

O Islamismo, se não restringe a raças ou culturas, também não dissocia religião, política, fé e moral. O muçulmano tem o Alcorão como livro sagrado. A obra contém as palavras de Allah reveladas pelo Anjo Gabriel a Maomé, considerado o “profeta final“. “Toda a lei do Islã está no Alcorão. E o Alcorão abrange toda a vida da pessoa. Nada escapa à religião.” Embora a adaptação da sociedade islâmica ao Alcorão não seja tão simples no mundo de hoje, principalmente em relação à mulher, a autora faz questão de ressaltar que, em sua origem, o Islã não estabelece diferenças entre homens e mulheres, “concebendo-os como seres iguais; porém, a forma fundamentalista da religião, bem como suas influências territoriais e culturais, distorcem as palavras do Alcorão no que se refere à mulher, sendo responsável por crimes, humilhações e violência contra elas“.

Para introduzir a boneca Fulla no tema, a autora chama a atenção para uma atividade comum a toda criança e que comporta, além de outros conceitos, um instrumento de aprendizagem e educação ー o brincar. Brincar é conhecimento, é incentivo à criatividade e ao lúdico, fatores inerentes a uma efetiva aprendizagem, além de ser meio de firmarem-se vínculos sociais, desenvolvendo o potencial intelectual, social, físico e emocional das crianças. “As culturas ocidental e oriental divergem em uma série de questões, mas a brincadeira infantil possibilita, ao fiel de qualquer religião, as mais variadas trocas e integrações com o meio“. Brincar é trocar experiências com o outro, na expressão dos valores e características de uma cultura. 

Existe uma versão da boneca Fulla que vem acompanhada de tapete para rezar – Foto: Arquivo pessoal da autora

Hoje, em uma sociedade de consumo, o “ter” molda a identidade dessas crianças que são alvo fácil da publicidade, na campanha de aquisição de produtos que “prometem” a convivência social de sucesso, a aceitação pelo outro, sendo o papel das mídias digitais moldar, “construir” a personalidade para essa situação. Segundo a autora, a questão da identidade é muito grave, pois a moda e a tecnologia “exercem forte influência na composição da personalidade humana […] ao mesmo tempo em que desestabilizam as identidades e promovem a construção de novos comportamentos que logo serão desconstruídos, um movimento cíclico e repetitivo“. A autora propõe uma questão difícil de responder: “Como ensinar uma menina a preservar seu corpo, esconder seus cabelos, sendo que os padrões de beleza do resto do mundo exaltam corpos desnudos, atitudes sensuais e a busca pela liberdade e independência?

Meninas ocidentais buscam um estilo de vida igual ao da boneca Barbie, cujo slogan é bastante simbólico: “Barbie, tudo o que você quer ser”. Adquirir a Barbie é  incorporar os valores que a marca e a propaganda transmitem, o que não tem qualquer identificação com a cultura muçulmana. Sem espaço para a Barbie, surge Fulla, nome que deriva de uma flor encontrada apenas no Oriente Médio. Fulla, de fisionomia e trajes árabes, foi lançada em 2003, na Síria, “um sucesso de vendas no Oriente Médio“, uma extensão da criança que a adquire, “um reflexo da cultura na qual a menina que brinca está inserida, e representa um novo vigor para o islamismo, uma referência para os novos adeptos“. Barbie ou Fulla? A resposta vai depender de em qual lado do mundo você está: Ocidente ou Oriente, sempre com respeito ao que nos é oposto, ao que nos é contrário ou ao que é diferente.

Artigo

CARACIOLA, Carolina Boari. Fulla – A boneca muçulmana. A formação da personalidade de meninas islâmicas através do ato de brincar. Signos do Consumo, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 52-65, 2019. ISSN: 1984-5057. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1984-5057.v11i2p52-65. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/signosdoconsumo/article/view/150464. Acesso em: 10 out. 2019. 

Carolina Boari Caraciola – Pós-doutora em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA), doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora da Universidade Paulista (Unip). E-mail carolboari@yahoo.com.br 

Margareth Artur / Portal de Revistas USP 

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