Arte de Beatriz Abdalla/Jornal da USP sobre foto de Marcos Santos/USP Imagens

"Berlin Alexanderplatz": em obra alemã, exclusão social é vista sob a ótica da alienação

Para pesquisador, trajetória do protagonista chega ao ápice no momento de rompimento em que o sujeito não vê nenhuma possibilidade de integração social

13/02/2020

Texto: Marcelo Canquerino

O conceito de alienação dificilmente é visto como estranhamento. Em alemão, a palavra entfremdung traz essa conotação através do radical “ent”, que significa “estranho”. Foi a partir desse princípio que José da Silva Botelho, doutor em Letras, analisou o personagem Franz Biberkopf, protagonista do livro Berlin Alexanderplatz (1929), escrito por Alfred Döblin, e da homônima adaptação para televisão alemã de 1980. O objetivo foi investigar a inadequação do personagem à sociedade através da ótica da alienação.  

A dissertação, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, venceu o Prêmio Tese Destaque USP na categoria de Linguística, Letras e Artes de 2019. 

A história começa quando Biberkopf sai da prisão após quatro anos preso por assassinar sua companheira. “A pena começa” é a frase usada para descrever o momento em que o protagonista é liberto. A partir de então, ele é oprimido até o final da narrativa. 

Cena da série de televisão exibida em 1980, na Alemanha – Foto: Reprodução / WDR/Bavaria

A alienação, entendida como estranhamento, está presente tanto no livro como na adaptação para televisão. Após sair da prisão, o protagonista não consegue retornar à sociedade. É como se a cidade de Berlim tivesse mudado completamente. 

De acordo com Botelho, a trajetória de Biberkopf caminha para uma crescente até atingir seu ápice na alienação, ou seja, o momento de rompimento no qual o sujeito não vê nenhuma possibilidade de integração social, por mais que tente. “Ele estranha a cidade e a cidade o estranha. No fim de tudo sua situação é a de um alienado, no sentido de estar separado daquele ambiente”, explica. 

A principal matriz teórica para trabalhar com a alienação foi a filosofia. Botelho teve como uma de suas bases a obra Crítica da Alienação, da filósofa alemã Rahel Jaeggi. Neste livro, são exploradas todas as acepções de alienação, incluindo aquela de um sujeito descolado da sociedade, que não encontra espaço dentro de uma metrópole. 

A filósofa também trata alienação como separação. “Para mim, o protagonista do romance e da série é um sujeito deslocado que vive numa cidade hostil a ele e, por esse motivo, não consegue criar as condições para se inserir novamente, tanto no aspecto amoroso, como no social e político. Em todos os aspectos ele é reprimido pela sociedade e pela metrópole”, afirma o pesquisador. 

Além da filosofia, a dissertação também envolveu outros campos de estudo, como cinema/TV e literatura. 

A análise da obra em diferentes meios contribuiu para a amplitude da visão do personagem. Botelho explica que o livro e sua adaptação foram estudados paralelamente, sem comparações. “Como se fossem duas lentes que olham para o mesmo fenômeno.”

Mesmo não sendo abordada na tese, a temática religiosa é muito forte na narrativa. “Há um julgamento moral e de culpa. A situação que Biberkopf vive sempre remete aos atos do passado, não só à morte da namorada. Ele é um cafajeste. É descrito como um canalha sem escrúpulos e não consegue enxergar nenhuma consequência dos próprios atos”, explica o pesquisador. 

O estranhamento não está presente apenas no protagonista, mas sim em ambas as obras como um todo. Esse estranhamento, que impactou negativamente a recepção pelo público, foi decorrente da temática abordada e de outras características das produções. No romance, pela técnica cinematográfica, na qual o autor descreve as diversas vozes da metrópole como uma câmera que capta tudo; na série de televisão, por sua estética escura e por mostrar cenas de violência. 

A tese “Aqui brande o martelo, o martelo contra Franz Biberkopf”: Entfremdung em Berlin Alexanderplatz, teve orientação da professora Claudia Sibylle Dornbusch e foi defendida em julho de 2018. 

Mais informações: e-mail jose.rodrigo.botelho@usp.br, com José Botelho