No Chile, eclipse solar foi festa inesquecível para astronomia e divulgação científica

Astrônomos brasileiros e convidados selecionados viram o raro evento que é a sombra de um eclipse passar por um observatório profissional, como aconteceu em La Silla

 12/07/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 25/07/2019 as 10:18
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Foto: Jorge Meléndez

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No dia 2 de julho, às 16h40, a Lua cobriu a face do Sol, em um eclipse solar total, visível a partir de uma faixa de 150 quilômetros ao norte do Chile, incluindo o Observatório La Silla, do European Southern Observatory (ESO). Quem estava lá foi presenteado ​​com um céu limpo e uma visão perfeita do eclipse solar – o próximo só poderá ser visto deste ponto em 2231.

Presente no Chile para um evento científico, o professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP Jorge Meléndez conta um pouco da experiência.

Professor Jorge Meléndez – Foto: Jornal da USP

 

Observei o eclipse com colegas perto de La Silla. Foi fantástico ver como o Sol é gradualmente ocultado pela Lua na fase parcial do eclipse, e admirar o anel de diamantes e a coroa solar durante a fase de totalidade. Uma emoção compartilhada com milhares de pessoas simultaneamente.”

 

Ele explica que este eclipse foi uma rara oportunidade de enxergar a coroa solar, normalmente ofuscada pelo intenso brilho do disco solar.“Isso é especialmente significativo para mim, que estudo o Sol e estrelas gêmeas solares. E é extremamente raro termos a sombra do eclipse passando por observatórios profissionais.”

Geisa Ponte, astrônoma pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestranda no Mackenzie, diz que também foi possível ver a olho nu a lindíssima cromosfera:

Geisa Ponte – Foto: Arquivo pessoal

 

uma parte extremamente fina, com bruxuleios em tons rosados e que denotam a camada solar inferior à coroa. Eu estava acompanhada de outros astrônomos, e quando constatamos o avistamento da cromosfera, ficamos hipnotizados em massa. Nunca vou esquecer dessa experiência”,

 

descreve ela, que também é divulgadora científica e colabora em projetos no IAG.

Leonardo dos Santos, que fez pós-graduação no IAG usando dados de La Silla, e agora trabalha no Observatório de Genebra, concorda. “Naturalmente, há a beleza e a singularidade do fenômeno, às quais os astrônomos não são imunes. Mas muitos dos cientistas que foram ao local fizeram experimentos que só podem ser feitos nessa situação.

De fato, aproveitando a rara ocasião, o ESO realizou diferentes observações científicas. A coroa solar, por exemplo, foi vista com o New Technology Telescope (NTT).

O ESO também organizou uma campanha que deu às pessoas oportunidade de vivenciar o fenômeno do próprio Observatório. O grupo de visitantes que teve acesso ao local incluiu desde o presidente do Chile, Sebastián Piñera, até idosos e alunos do ensino médio selecionados por concurso, além de diversos representantes da mídia internacional, mais um seleto time de divulgadores de ciência, com um representante do Brasil.

 

Grupo com representantes dos países-membro do Observatório Europeu do Sul visita a construção do Extremely Large Telescope – Foto: Cedida por Felipe H. Miranda

MeetESO e a divulgação científica nas alturas

Por meio da iniciativa MeetESO, o observatório escolheu oito pessoas, entre centenas de inscritos de todo o mundo, que compartilham a mesma paixão por divulgar astronomia e temas relacionados em um encontro para conhecer as instalações científicas do consórcio.

Entre eles, estava um brasileiro: Felipe Hime Miranda, do canal de YouTube Café e Ciência, que leva conteúdo de astronomia e exploração espacial para um público de 53 mil inscritos. Felipe, que cursa astronomia na UFRJ, diz que essa foi uma experiência inesquecível. “Sempre quis fazer divulgação científica e essa viagem me proporcionou conhecer comunicadores de todos os cantos do planeta. O eclipse e a viagem toda pelos observatórios foram sensacionais, mas os amigos que pude fazer de cada continente não têm preço. É uma diversidade incrível de pessoas proporcionando uma divulgação da ciência por diferentes formas”.

 

Felipe Miranda, a cinco mil metros de altitude, com sua garrafinha de oxigênio, vistando o Observatório Alma – maior colaboração internacional já produzida em prol da astronomia. Foto: Cedida por Felipe H. Miranda

Para ele, o ápice do evento foi a visita às antenas do radiotelescópio Alma. “Eu quase não acreditei que estava subindo 5 mil metros de altitude com um tanque de oxigênio para gravar um vídeo sobre radioastronomia para o YouTube! É ou não é incrível?”

O cientista em formação conta que agora se sente ainda mais estimulado para continuar o seu trabalho na divulgação. “Certa vez fiz um mini-documentário para o canal sobre o Observatório Alma. Por todo o vídeo tive que usar as imagens e vídeos feitos pelo observatório e muitos dos comentários foram de pessoas dizendo que eu deveria estar lá gravando para colocar no canal. Bom, aconteceu! O quão magnífico é isso? Sem falar que todas as pessoas ali presentes comigo puderam conhecer meu trabalho e me disseram de forma unânime: continue trabalhando, keep looking up! [continue olhando para cima]”.

 

Oito membros selecionados para participar do MeetEso – Foto: Cedida por Felipe H. Miranda

Jorge Meléndez ressalta que este é um evento importantíssimo também pela grande mobilização do público e da imprensa. “Além da oportunidade de divulgar fatos sobre o Sol, a Lua e a Terra, foi possível falar da importância dos eclipses para a ciência. No Brasil, em particular, a divulgação foi significativa devido à associação com os 100 anos do eclipse de Sobral no Ceará, que confirmou a Teoria da Relatividade de Einstein”.

Leonardo dos Santos diz que é muito gratificante para astrônomos ver esse tipo de engajamento entre a comunidade científica e o público, “algo que, infelizmente, não acontece com muita frequência, e mas é importante que esses grupos entrem em contato”.

“Eu fiquei hospedada em Copiapó, uma cidadezinha completamente lotada de turistas que foram ver o eclipse”, conta Geisa Ponte. “Só se falava disso. Faixas e cartazes, comerciantes vendendo lembrancinhas do eclipse”. Ela acha que essa pode ser uma deixa para mostrar como a astronomia tem tudo a ver com a vida das pessoas. “Como o eclipse de 1919, que colaborou para a comprovação da teoria da relatividade geral de Einstein e sua aplicação nos reajustes diários nos relógios dos satélites de GPS, por conta dos efeitos relativísticos da massa da Terra. Sem esse conhecimento, ninguém usaria geolocalização hoje.” Para a astrônoma, é importante usar esse tipo de evento que atrai naturalmente a curiosidade, para ressaltar a importância da pesquisa científica, mostrando também seu sentido prático.

Observatórios

Fundado em 1969, La Silla é um lugar extremamente importante para astronomia mundial. “Existem diversos instrumentos científicos de ponta por lá. Atualmente há 13 telescópios em operação, não só do ESO mas de outras colaborações internacionais. La Silla produz dados para mais de duzentos artigos científicos publicados por ano”, diz Felipe Miranda.

 

Observatório de La Silla – Foto B. Tafreshi/ ESO

 

Em La Silla, o ESO opera dois dos mais produtivos telescópios de 4 metros do mundo. O Telescópio de Nova Tecnologia de 3,58 metros (NTT) inovou na engenharia e design de telescópios e foi o primeiro no mundo a ter um espelho principal controlado por computador (ótica ativa), tecnologia desenvolvida no ESO e agora aplicada à maior parte dos grandes telescópios atuais. O telescópio de 3,6 metros do ESO abriga o primeiro caçador de planetas extrasolares do mundo em um observatório terrestre: o Radar de Alta precisão Planet Searcher (HARPS).

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Jorge Meléndez revela que sua pesquisa usa fundamentalmente dados do observatório La Silla. “Já tivemos no meu grupo Sampa desde iniciação científica até trabalhos de pós-doutorado usando dados do telescópio de 3,6 metros do ESO/La Silla. Temos feito grandes descobertas, como por exemplo uma das mais brilhantes estrelas quase primordiais em nossa galáxia, e o exoplaneta mais parecido com Júpiter ”, relata o professor do IAG.

“Eu usei os dados de dois telescópios no meu trabalho de graduação e hoje sigo usando dados do HARPS no meu trabalho de mestrado e outras colaborações. Em 2017, estive em La Silla para observar estrelas gêmeas solares”, diz Geisa Ponte.

Leonardo dos Santos também usou dados obtidos com o espectrógrafo HARPS durante seu mestrado no IAG. “Além disso, duas vezes por ano eu sou enviado em missão para La Silla pelo Observatório de Genebra, como parte do meu contrato de trabalho”, explica.

Já a doutoranda do IAG Lilianne Nakazono, que também assistiu ao eclipse no Chile, faz parte do grupo de pesquisa S-PLUS, que fará um levantamento do Hemisfério Sul celeste com outro telescópio, localizado no Cerro Tololo Inter-American Observatory (CTIO). “Até o momento catalogamos mais de 3 milhões de objetos. Meu trabalho consiste em classificar nossas observações em estrelas, quasares ou galáxias”. Para isso, ela explica que faz um treinamento de máquina, de forma que a classificação seja automática, isto é, sem precisar de uma análise visual, rápida e com alta confiabilidade. “Eu e uma parte do nosso grupo fomos para uma conferência. Aproveitamos para assistir ao eclipse em uma cidade próxima, La Higuera, e também visitamos nosso telescópio.”

Luiza Caires

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