Cientistas buscam rocha para “enterrar” CO2 no subsolo por ao menos mil anos

Pesquisadores trabalham em tecnologias para capturar gás na fonte – uma siderúrgica, por exemplo -, transportá-lo e estocá-lo em local adequado

 03/07/2018 - Publicado há 6 anos
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Pesquisadores estão na fase de recolher amostras e observar as condições geológicas dos locais estudados. Depois de ensaios de laboratório e simulações computadorizadas, dados obtidos integrarão um atlas – Arte sobre foto/Divulgação Research Centre for Gas Innovation

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Pesquisadores que participam do Centro de Pesquisa para Inovação em Gás (RCGI, na sigla em inglês) estão procurando um método para reduzir consideravelmente a chegada à atmosfera do gás dióxido de carbono (CO2) emitido na região Sudeste do Brasil. A proposta é identificar quais rochas poderiam guardar de forma segura uma porção significativa do CO2 liberado pela indústria, retendo-o por pelo menos mil anos. A pesquisa engloba duas regiões onde há rochas que poderiam armazenar o gás: a Bacia Sedimentar do Paraná, cuja extensão vai do Mato Grosso até a Argentina, e a Bacia de Santos, de onde se extrai petróleo tanto no pré-sal quanto no pós-sal.

O projeto, que está sendo realizado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, segue uma linha de pesquisa chamada de Captura e Armazenamento de Carbono (CCS, do inglês carbon capture and storage). A CCS consiste em um conjunto de métodos e tecnologias para capturar o dióxido de carbono na fonte emissora – uma siderúrgica, por exemplo -, transportá-lo e estocá-lo em um local adequado.

Campos de petróleo

Bacia Sedimentar do Paraná e a Bacia de Santos analisadas na pesquisa – Foto: Wikimedia Commons

Soa curiosa a ideia de “enterrar” um gás no subsolo, mas a proposta não é ficção científica. As tecnologias de CCS são irmãs daquelas utilizadas pela indústria de petróleo e gás.

Segundo o geólogo Colombo Celso Gaeta Tassinari, diretor do IEE e coordenador do projeto, um tipo de reservatório geológico que costuma ser avaliado para armazenar CO2 é justamente a própria rocha que contém petróleo. Em alguns casos, um campo de petróleo desativado pode servir como reservatório do gás carbônico.

“O problema aqui no pré-sal é que o petróleo já tem muito CO2 naturalmente. Começar a reinjetar mais CO2 nessas rochas vai piorar cada vez mais a qualidade do óleo. Então, no caso específico da Bacia de Santos, não é recomendável fazer isso”, explica Tassinari. Problema semelhante ocorre com outro tipo de rocha encontrada na região, a do aquífero salino. Por também estar associada a uma camada de petróleo, a injeção de CO2 pode igualmente prejudicar a qualidade do óleo.

Gás bem guardado

Há um terceiro tipo de rocha com potencial para armazenar dióxido de carbono, presente em duas unidades geológicas da Bacia do Paraná. É o chamado folhelho negro – uma rocha sedimentar argilosa rica em matéria orgânica, que tem alta porosidade, mas não tem permeabilidade. Ao contrário do que ocorre nos outros tipos de rochas, nos folhelhos negros o gás e o óleo não conseguem migrar com facilidade pelos poros, pois as partículas de argila envolvem as moléculas dessas substâncias.

É desse tipo de rocha que, nos Estados Unidos, se extrai o shale gas, popularmente conhecido como gás de xisto – que é o metano, basicamente. A técnica de extração mais utilizada por lá é gerar pequenas fraturas na rocha com a força da água. O chamado fraturamento hidráulico é usado justamente porque as rochas são impermeáveis.

“Nós temos que fazer um poço, que normalmente começa vertical até atingir a camada que está a 2 mil metros de profundidade, por exemplo. Quando atinge essa camada, esse poço vira horizontal e entra por dentro da camada por até um quilômetro e meio. Depois, são feitas pequenas explosões na parte horizontal desse poço, dentro da camada de que se quer retirar o gás. Essas explosões é que vão gerar pequenas fraturas na rocha”, explica o diretor do IEE.

Após essas explosões, é injetada uma grande quantidade de água com areia. Quando essa água entra com grande pressão dentro do poço, ampliam-se as fraturas que foram geradas inicialmente. “Os grãos de areia vão impedir que essas fraturas se fechem pela pressão que vai estar lá embaixo. E por aí vai sair o metano”, detalha Tassinari, e acrescenta que o mesmo processo pode ser utilizado substituindo a injeção da mistura de água com gás pelo bombeamento de COem alta pressão.

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Próximos passos

Nesta etapa do projeto do RCGI, os pesquisadores estão recolhendo amostras e observando em campo as condições geológicas dos locais estudados. As amostras serão submetidas a ensaios de laboratório, cujos resultados serão utilizados para gerar simulações computadorizadas do fluxo de CO2 nas rochas e possibilidade de escape. Os dados obtidos integrarão um atlas, a ser publicado no final do projeto.

De acordo com Tassinari, o investimento em pesquisa para aplicação de CCS deve ser encarado como uma atitude ambientalmente correta, uma vez que abre uma saída sustentável para reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

“Se uma usina termelétrica estiver situada em um terreno acima dessas rochas favoráveis, podemos pegar esse COemitido pela termelétrica e reinjetar lá embaixo. Ele nem vai para a atmosfera”, diz o docente. “Podemos fazer um sistema fechado, por exemplo. Se esse poço foi usado para a retirada do metano, está bom porque viabiliza economicamente essa injeção. Se não for, o lucro é gerado ao armazenar CO2, que é o lucro ambiental, em créditos de carbono”, completa.

A pesquisa do RCGI é financiada pela Fapesp e pela Shell.


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