Medicina a distância ainda sofre impasses para regulamentação no Brasil

Pesquisa debate desafios éticos e jurídicos que envolvem o exercício da profissão nessa modalidade

 17/06/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 04/07/2019 as 14:14
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Aspectos regulatórios da telemedicina no Brasil foram tema de estudo na Faculdade de Direito – Foto: Francisco Emolo / USP Imagens

A tecnologia evoluiu o suficiente para termos atividades médicas sendo realizadas de forma não presencial. É a telemedicina, uma prática que avança no Brasil, mas que ainda convive com dilemas quando o assunto são os aspectos regulatórios. Em sua pesquisa na Faculdade de Direito (FD) da USP, Sílvio Eduardo Valente buscou debater as questões regulatórias para o exercício da modalidade. O estudo deixa claro que é necessário avançar tanto nas regulamentações jurídicas quanto nos parâmetros éticos.

Sílvio Eduardo Valente – Foto: Arquivo pessoal

Hoje, a norma que regulamenta a atuação médica a distância é a resolução 1.643 de 2002. Segundo Valente, ela está atrasada em relação a todo o desenvolvimento tecnológico alcançado nos últimos 17 anos. Recentemente, uma nova proposta de resolução (2.227 de 2018), que delimitava melhor o exercício da telemedicina, ganhou notoriedade. Entretanto, não foi implantada porque houve muitas manifestações de médicos e entidades representativas da classe. O Conselho Federal de Medicina decidiu revogá-la, alegando que a questão não tinha sido suficientemente discutida. Segundo o pesquisador, a nova norma traria muitas inovações na relação entre médico e paciente. Em comparação, deu o exemplo dos atendimentos psicológicos a distância, que já são permitidos pelo Conselho Federal de Psicologia, beneficiando pacientes.

Apesar da norma vigente ser de 2002, houve um avanço sobre o tema no Código de Ética Médica. Antes, existia uma vedação formal para a prática da telemedicina, mas ela foi retirada no Código publicado em 2019. O grande problema é que “ainda não existe uma permissão formalizada”, pondera Valente, entendendo que não basta não proibir. “O Código de Ética Médica coloca que não existe mais a vedação, mas essa questão será regulada em uma nova resolução do Conselho Federal de Medicina, que ainda não saiu”, completa.

Potencial não aproveitado

Chao Lung Wen, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), define a telemedicina como o uso de recursos tecnológicos e interativos para o provimento de serviços médicos de forma não presencial, cuja finalidade principal é aumentar o acesso à saúde pelas pessoas e melhorar a logística para resolver os problemas da área.

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De fato, a telemedicina tem potencial para proporcionar diversas oportunidades e facilidades. Reduzir a carência de atendimento em lugares remotos é uma delas. Até mesmo grandes cidades, como São Paulo, seriam beneficiadas já que “[a telemedicina] poderia ser uma forma muito prática e eficaz de exercer a medicina sem que o paciente tenha que se deslocar, por exemplo, mais de uma hora para chegar ao consultório”, diz Sílvio Valente.

Dentro dos parâmetros éticos, há o sigilo médico, que deve ser preservado na interface virtual. Dados médicos e pessoais, por exemplo, não podem ser divulgados. Além disso, todas as condições do atendimento devem estar claras para o consentimento do paciente.

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Chao Lung Wen leciona disciplina sobre telemedicina na FMUSP – Foto: Francisco Emolo / USP Imagens

Já no aspecto jurídico, a discussão concentra-se no fato de que não existe uma norma na justiça comum que fale sobre a telemedicina. Valente explica que estamos atrasados nesse quesito. Outros países já têm isso melhor estabelecido. No Brasil a modalidade é regida por normas de responsabilidade civil e penal já existentes. Mesmo com esse problema, o pesquisador comenta que não acha tão crucial. Para ele, o foco deveria ser a criação de uma norma de cunho ético e uma boa resolução do Conselho Federal de Medicina que fundamente a atuação do médico.

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Um dos benefícios da telemedicina diz respeito ao acesso mais democratizado à saúde. Para que isso aconteça é necessário avançar nas regulamentações. Trabalhar dentro de parâmetros éticos bem estabelecidos e fundamentos é essencial tanto para o paciente, como para o médico. “A regulação precisa caminhar junto com a técnica da telemedicina”, diz Valente.

Chao Wen, que tem grande atuação na área educacional, levanta outro ponto: a não institucionalização da telemedicina na formação médica. “O perigo é que não estamos atualizando os médicos que já se formaram nem ensinando os futuros médicos, que ainda estão na faculdade, sobre isso”, adverte.

A tese de doutorado Aspectos regulatórios da telemedicina no Brasil: repercussões na responsabilidade das equipes de saúde foi defendida na FD e teve orientação do professor Roberto Augusto de Carvalho Campos.

Mais informações: e-mails silvio.valente@usp.br e chao@usp.br


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