Lipoproteínas produzidas em laboratório reduzem efeito tóxico da quimioterapia

Técnica desenvolvida em laboratório da USP está sendo testada também em outras áreas, como cardiologia e transplante de órgãos

 11/03/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 12/03/2020 as 19:35
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Injetada na corrente sanguínea, a Low Density Emulsion (LDE), como foi identificada, neutraliza a toxicidade dos quimioterápicos, atingindo seletivamente as células tumorais – Fotomontagem sobre imagem Eduardo Cesar via Revista Fapesp / CC-BY-NC-ND

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Uma lipoproteína artificial, espécie de “veículo” para levar o fármaco, pode reduzir a toxicidade da quimioterapia, mostraram testes  em pacientes com câncer que não responderam ao tratamento convencional. Injetada na corrente sanguínea, a Low Density Emulsion (LDE), como foi identificada,  neutraliza a toxicidade dos quimioterápicos, atingindo seletivamente as células tumorais. Quem vem liderando as pesquisas é o médico endocrinologista Raul Cavalcante Maranhão, diretor do Laboratório de Metabolismo e Lípides do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FM) da USP.

O professor Maranhão está envolvido nessas pesquisas há mais de 25 anos. A patente dessa partícula artificial criada no laboratório do InCor foi concedida ao médico em 1997, nos Estados Unidos. Atualmente, aqui na USP, ele vem acompanhando oito doutorados e um mestrado acadêmico com perspectivas de aplicação dessa técnica também em outras áreas da medicina, como a cardiologia e transplante de órgãos.

O trabalho mais recente foi a tese Estudo prospectivo de fase 1/2 para avaliação da maior dose tolerável, toxicidade, farmacocinética e eficácia do LDE-Etoposide no condicionamento do transplante alogênico de células-tronco hematopoiéticas de pacientes com Leucemia Mieloide Aguda, da médica hematologista Sandra Serson Rhor, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que teve a co-orientação de Maranhão e orientação do professor José Salvador. Em seu trabalho, Sandra avaliou a dose tolerável da LDE em transplantes de pacientes com Leucemia Mieloide Aguda (LMA).

A LDE possui estrutura semelhante à LDL colesterol que é avidamente atraída pelas células cancerígenas para sua multiplicação. O pesquisador explica como acontece o funcionamento dessas nanopartículas lipídicas. Sua equipe descobriu que, quando injetadas na corrente sanguínea, as LDEs são capazes de se ligar aos receptores que introduzem o LDL nas células cancerígenas, que têm o número de receptores bastante aumentado durante a doença. As células cancerígenas necessitam de muitas lipoproteínas (LDL) para se multiplicar, “mas a LDE tem 30 vezes mais afinidade de se ligar à célula cancerígena do que o LDL natural”, diz.

 

 

Comparação LDL e LDE. Quando injetadas na corrente sanguínea, as LDEs são capazes de se ligar aos receptores que introduzem o LDL nas células cancerígenas, que têm o número de receptores bastante aumentado durante a doença – Imagem: Divulgação 

Ao longo dos últimos anos, a LDE foi testada em ratos e também em pacientes com vários tipos de câncer, em estado terminal, e que já haviam passado por um ou mais tipos de tratamentos quimioterápicos, sem resultados satisfatórios. Ao todo, cerca de 250 pessoas foram beneficiadas. Segundo o professor Maranhão, a LDE carrega seletivamente drogas quimioterápicas para o interior das células malignas, poupando assim as células saudáveis dos efeitos colaterais dos medicamentos. “Sua capacidade de direcionar e concentrar drogas nos tumores é enorme: de cinco a dez vezes, para câncer de mama, e cinquenta vezes para Leucemia Mieloide Aguda [LMA]”, diz.

 

 

Professor Raul Cavalcanti Maranhão, médico endocrinologista do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

O pesquisador chama a atenção para o câncer de medula óssea, o LMA, porque as chances de cura com quimioterapia convencional em transplante de medula óssea são baixíssimas, de apenas 25%, e os efeitos colaterais das drogas são devastadores. Na pesquisa conduzida pela doutora Sandra, onde a LDE foi usada na quimioterapia, o porcentual de sobrevida subiu para 66%. “Conseguimos reduzir drasticamente os efeitos colaterais da quimioterapia, sem que houvesse diminuição da ação farmacológica das drogas”, comemora.

Drogas associadas à LDE

Os efeitos de baixa toxicidade foram observados em todas as drogas associadas à LDE utilizadas para combater diversos tipos de câncer: LDE-paclitaxel, LDE-carmustina, LDE-etoposideo, LDE-metotrexato, LDE-daunorrubicina e LDE-docetaxel.

No artigo Phase II study of paclitaxel associated with lipid core nanoparticles (LDE) as third-line treatment of patients with epithelial ovarian carcinoma, publicado na revista científica Medical Oncology, foi descrito o tratamento de pacientes com carcinoma de ovário, um tipo de câncer extremamente agressivo. As mulheres que passaram por essa experiência já haviam sido tratadas anteriormente com duas ou três linhas diferentes de quimioterápicos, sem resultado positivo. Com o uso da LDE-paclitaxel, 30% delas não tiveram progressão do tumor por pelo menos seis meses, o que é inédito, afirma o pesquisador. Este estudo foi conduzido pela médica Silvia Graziani, do Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho.

Na USP, as pesquisas com as lipoproteínas seguem em um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo Laboratório de Metabolismo e Lípides da USP. Além do câncer, a LDE tem demonstrado eficácia em tratamentos da aterosclerose, infarto agudo de miocárdio, endometriose e transplantes do coração, ainda na fase de experimentação animal ou início dos estudos em pacientes. Porém, Maranhão explica que, para serem produzidas em escala industrial, as lipoproteínas ainda precisariam passar por outros testes com número maior de pessoas, para aprovação nas agências regulatórias.

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Mais informações: e-mail ramarans@usp.br, com o professor Raul Maranhão


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