Incerteza sobre fertilidade marca jovens sobreviventes do câncer

Para pesquisadora, crianças e jovens que passaram pela doença precisam ser informados dos riscos causados pelos tratamentos

 30/08/2017 - Publicado há 7 anos
Pouca idade no momento do diagnóstico pode representar um impedimento para o repasse de informações sobre infertilidade – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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Sobreviventes do câncer na infância e na adolescência convivem com a incerteza se poderão ou não ter filhos. Para a enfermeira Fabrine Aguilar Jardim, quando acontece o diagnóstico de câncer, os profissionais de saúde devem deixar claro para os pais desses pacientes os problemas futuros que quimioterapia, radioterapia e cirurgia podem causar – inclusive a chance de infertilidade, pois tais tratamentos podem afetar os órgãos reprodutivos.

O momento de comunicar sobre essa possível incapacidade é muito marcante e delicado, porém a informação é essencial, defende a pesquisadora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP. É recomendado que os profissionais de saúde tratem do assunto com pacientes em idade reprodutiva. No caso de crianças e adolescentes, a notícia é dada aos pais, que ficam encarregados de, posteriormente, avisar aos filhos sobre a possível condição.

Autora de dissertação de mestrado sobre o tema, Fabrine conta que há um questionamento ético sobre o momento ideal para falar sobre saúde reprodutiva, e que a pouca idade no momento do diagnóstico pode representar um impedimento para o repasse de informações sobre infertilidade. Para ela, por se tratar de assunto tão importante, deve ser abordado assim que a idade e a razão dos pacientes permitirem.

O que acontece muitas vezes é esses jovens desconhecerem sua própria capacidade reprodutiva, e assim a notícia sobre a possibilidade de infertilidade é dada em momento tardio. Isso ocorre devido a vários fatores, como limitações próprias da idade, postergação da informação pelos pais, priorização da sobrevivência e cura e, ainda, por ser considerado um tema delicado.

“Uma comunicação efetiva sobre o impacto do câncer na saúde reprodutiva deve ser compreendida como uma ação necessária diante do diagnóstico. Para tanto, as informações devem ser claras e transmitidas em momento apropriado, considerando que tal ação poderá contribuir para diminuir as lacunas no conhecimento referente à condição reprodutiva”, afirma a enfermeira.

O estudo foi feito por meio de questionário individual com 24 jovens, com idade entre 18 e 24 anos, que sobreviveram ao câncer na infância e adolescência, e que estão em acompanhamento no Ambulatório de Onco-Hematologia Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP.

 

Realização por meio da maternidade ou paternidade fica em segundo plano por conta da urgência da doença, mas permanece no horizonte de aspirações dos pacientes – Foto: Cesar Brustolin/SMCS via Fotos Públicas

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Outras descobertas

A pesquisadora também observou que os participantes do estudo manifestaram preocupações com a saúde dos futuros filhos biológicos e receio que os mesmos também tivessem câncer, recordando o sofrimento enfrentado pelos pais.

Outro fato que chamou a atenção de Fabrine é que a comunicação da incapacidade reprodutiva em uma relação amorosa era menos frequente em razão do medo, especificamente das mulheres, de ser abandonadas após divulgar o possível estado de infertilidade aos seus companheiros.

Segundo a enfermeira, a realização pessoal por meio da maternidade ou paternidade, mesmo que fique em segundo plano por conta da urgência da doença, ainda permanece no horizonte de aspirações dos pacientes, sendo motivo de preocupações com a vida afetiva e familiar e também com a autorrealização.

Comunicação franca e efetiva

Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A pesquisadora alerta que, para que os sobreviventes de câncer na infância e na adolescência não precisem viver com o medo de serem inférteis, algumas medidas devem ser tomadas, a começar pela comunicação franca e efetiva.

Um método que pode ser utilizado é o congelamento de esperma ou óvulos no momento do diagnóstico de câncer, segundo pesquisas internacionais. No Brasil, esses métodos ainda são pouco utilizados, contando com poucos centros especializados para tal.

A enfermeira conta, ainda, que no caso das mulheres existe um exame que pode ser feito após a cura do câncer, para checar a dosagem de hormônios presentes no organismo, e essa quantidade vai apontar ou não a esterilidade.

Fabrine ressalta que os resultados do estudo podem auxiliar na busca de melhorias nos cuidados em saúde para essa população, para que atendam às suas reais necessidades, uma vez que os pacientes demandam acompanhamento por toda a vida, fazendo exames anuais, para que seja mantida a qualidade de vida.

A dissertação Preocupações e incertezas de sobreviventes ao câncer na infância e na adolescência relativas à fertilidade foi defendida na EERP em fevereiro deste ano e orientada pela professora Regina Aparecida Garcia de Lima.

Stella Arengheri, de Ribeirão Preto

Mais informações: e-mail fabrinedtna@hotmail.com, com a enfermeira Fabrine Aguilar Jardim


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