Ao tratar linhagens celulares de melanoma humano com um composto sintético semelhante à curcumina – pigmento que dá a cor amarelo-alaranjada ao pó extraído da raiz da cúrcuma (Curcuma longa) – pesquisadores da USP identificaram genes que estão com a expressão alterada em tumores com potencial invasivo e em células malignas refratárias à quimioterapia.
Segundo os cientistas, caso novos estudos confirmem a importância desses genes para a progressão da doença e o ganho de resistência aos medicamentos, eles poderão ser explorados no futuro como biomarcadores para auxílio do diagnóstico ou até mesmo como alvos terapêuticos. Resultados da pesquisa, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foram publicados na revista Pharmacological Research.
“Estudos anteriores de colaboradores já haviam demonstrado que o DM-1, composto análogo à curcumina, tem atividade antitumoral em baixas concentrações. Nosso objetivo foi entender quais genes essa substância modula e por que ela é tóxica para o melanoma e não para uma célula normal”, disse Érica Aparecida de Oliveira, pós-doutoranda na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.
A pesquisa vem sendo desenvolvida sob a supervisão de Silvya Stuchi Maria-Engler, com a colaboração de Helder Nakaya e Gisele Monteiro – todos professores da FCF.
Como explicou Érica Oliveira, a literatura científica conta com algumas centenas de trabalhos atestando as propriedades antioxidantes, antitumorais, antimicrobianas e anti-inflamatórias da curcumina. No entanto, o uso terapêutico desse composto na forma natural é limitado devido à sua má absorção, metabolismo rápido e insolubilidade na água. Para resolver esse problema, cientistas têm desenvolvido análogos sintéticos com pequenas modificações estruturais que visam a tornar a molécula mais estável no organismo.
O DM-1 foi sintetizado há alguns anos pelo professor José Agustín Pablo Quincoces Suárez, da Universidade Bandeirantes (Uniban). “Experimentos com animais feitos por colaboradores mostraram que o tratamento com esse composto é capaz de promover uma redução no volume tumoral. O DM-1 também se mostrou tóxico para culturas de melanoma resistentes à quimioterapia”, conta Érica.
Mecanismo de ação
Para desvendar os mecanismos de ação do DM-1, Érica recorreu a uma plataforma desenvolvida pelo grupo de Monteiro. Trata-se de uma coleção de 6 mil leveduras congeladas, todas mutantes da espécie Saccharomyces cerevisiae, comumente usada na fermentação de pão e cerveja.
“O genoma dessa levedura tem 6 mil genes e, em cada um desses mutantes, um gene diferente foi silenciado. Com isso, pudemos estudar o efeito de um composto de forma muito específica, gene a gene”, explica Érica.
As 6 mil levaduras mutantes foram então descongeladas, distribuídas em placas contendo 96 pequenos poços e tratadas com DM-1. Ao isolar as leveduras que não cresceram na presença do análogo de curcumina, Érica obteve uma primeira lista com 211 genes afetados pelo tratamento.
O passo seguinte foi filtrar quais genes dessa lista apresentam homólogos no genoma humano, pois parte poderia estar relacionada a funções específicas de leveduras. Com auxílio de ferramentas de bioinformática e da expertise de Nakaya, o grupo chegou a uma segunda lista com 79 genes candidatos.
“Começamos então a olhar os bancos públicos que armazenam dados genômicos de pacientes com câncer, como o The Cancer Genome Atlas (TCGA) e o Gene Expression Omnibus (GEO), para entender de que forma esses genes conversavam entre si”, contou Érica.
A análise mostrou que a maioria estava relacionada a vias de sinalização celular que, quando ativas, favorecem a progressão tumoral. É o caso das vias mediadas pelas proteínas MAP quinase e EGFR.
A tarefa seguinte foi investigar quais genes eram importantes para o avanço do melanoma especificamente – focando as análises de bioinformática nas sequências genômicas de portadores da doença.
“Fizemos uma mineração nos dados para mapear genes cuja expressão se alterava durante a progressão do melanoma. Identificamos sete que pareciam ser importantes e, ao olhar os bancos de dados públicos, pudemos ver que de fato muitos pacientes tinham alteração na expressão desses genes”, conta Érica.
Novo foco
Em um segundo projeto de pós-doutorado atualmente em andamento, com apoio da Fapesp, Érica pretende investigar mais profundamente a participação do gene TOP-1 e também do ATP6V0B – um dos sete identificados no trabalho anterior – na progressão do melanoma.
“Estamos investigando como esses genes estão expressos em um amplo painel de melanomas: tumores primários, metastáticos, com e sem mutação no gene BRAF, resistentes ou não ao tratamento. E também pretendemos comparar com a expressão em um melanócito normal. O objetivo é entender como esses genes participam da progressão tumoral e o que acontece em cada caso quando eles são inibidos”, diz.
Embora seja a forma mais rara de câncer de pele (cerca de 4% dos casos), o melanoma é sem dúvida a mais letal. A doença se desenvolve a partir dos melanócitos, as células produtoras de melanina. Além do crescimento rápido e do alto potencial para se tornar invasivo e gerar metástase, esse tipo de tumor desenvolve frequentemente resistência às principais drogas usadas no tratamento.
“A existência de diferentes subpopulações celulares dentro de um mesmo tumor é hoje considerado o principal fator associado à resistência ao tratamento. Por isso, acredita-se que a melhor abordagem é a combinação de várias estratégias terapêuticas e, para isso, é importante a descoberta de novos alvos”, afirma Érica.
O artigo Toxicogenomic and bioinformatics platforms to identify key molecular mechanisms of a curcumin-analogue DM-1 toxicity in melanoma cells pode ser lido neste link.
Adaptado de Karina Toledo / Agência Fapesp, com edição do Jornal da USP (Leia aqui o texto original)