Dispositivo revela em poucos minutos se paciente tem hepatite C

Aparelho também reduz custos de diagnóstico da doença, que pelos métodos atuais pode levar dias

 17/07/2018 - Publicado há 6 anos
Novo dispositivo eletrônico utiliza sensor eletroquímico para verificar presença de vírus da hepatite C no sangue – Foto: Henrique Fontes/SEL-USP

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Diagnosticar o quanto antes a hepatite C, infecção viral que afeta o fígado, é fundamental para evitar sua progressão e impedir que a pessoa contagiada transmita a doença para outras. O problema é que os exames convencionais para identificar a enfermidade não são totalmente precisos, e isso comprometer o resultado da avaliação médica. Além disso, alguns exames custam caro e levam dias até apontar o diagnóstico.  Propondo uma solução para esse cenário, o pesquisador João Paulo de Campos da Costa, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, criou um dispositivo eletrônico mais rápido, exato e barato, que revela em poucos minutos se a pessoa está com a doença.


A pessoa infectada com o vírus da hepatite C, o VHC, tem em seu sangue – local onde estão as células de defesa do organismo – o anticorpo que combate a doença, chamado de anti-VHC. Para que o equipamento detecte se a pessoa contém esse anticorpo, a partir do sangue extraído são realizados procedimentos em laboratório até que uma gota do composto final seja pingada sobre um pequeno sensor eletroquímico que contém uma proteína do VHC. “Caso a pessoa possua os anticorpos contra o vírus, eles irão ‘se ligar’ com a proteína viral, gerando uma reação que diminui a corrente elétrica que passa pelo aparelho. É justamente essa redução na corrente que indica a infecção da pessoa”, explica Campos da Costa.

Segundo o pesquisador, o equipamento tem mil vezes mais sensibilidade para detectar o anti-VHC se comparado aos modelos de exames convencionais que, algumas vezes, não são capazes de identificar pequenas quantidades de anticorpos. O dispositivo, que custou cerca de R$ 430,00, exibe o diagnóstico em, no máximo, dez minutos. “Alguns exames levam até uma semana para ficarem prontos na rede pública e aqueles que utilizam sistemas eletroquímicos para diagnóstico são muito caros, podendo chegar a mais de R$ 20 mil”, afirma Campos da Costa, que desenvolveu a tecnologia durante seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da EESC.

Exames convencionais para diagnóstico de hepatite C não são tão precisos e podem comprometer análise médica – Foto: Cesar Lopes – PMPA

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Diagnóstico

Os resultados obtidos pelo aparelho são transmitidos por rede sem fio diretamente para um aplicativo de celular que poderá ser utilizado por profissionais da saúde. Intuitivo e com simples funcionamento, o app ainda é capaz de armazenar o exame do paciente em um cartão de memória e enviá-lo, via e-mail ou redes sociais, como WhatsApp e Facebook, ao médico responsável que irá interpretar o diagnóstico e definir o melhor tratamento da pessoa infectada.

Atualmente, o diagnóstico da hepatite C pode ser feito por meio de exames sorológicos, testes moleculares, além da biópsia hepática – exame realizado para determinar o grau do processo inflamatório, o estágio de fibrose e se há presença de cirrose no tecido hepático. Esses exames demandam tempo, equipamentos especiais, laboratórios com infraestrutura adequada, profissionais especializados e qualificados e, no caso da biópsia, trata-se de um exame invasivo e que pode trazer riscos e complicações à saúde.

Para auxiliar o médico no tratamento mais específico de cada paciente, o sistema desenvolvido pelo pesquisador também pode ser programado para quantificar os anticorpos encontrados no soro sanguíneo, e até mesmo atuar no diagnóstico de outras doenças crônicas virais, como o HIV e outros tipos de hepatite.

“É uma plataforma muito completa, permite diversas aplicações e agiliza o processo de diagnóstico da Hepatite C”, diz Paulo Inácio, biomédico e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara (FCFAR) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que participou do estudo.

Composto por um microcontrolador, amplificadores de sinal, bateria e sistema de recepção e envio de dados sem fio, o dispositivo pode ser facilmente replicado pela indústria. “Criar um aparelho de baixo custo e que pudesse ser produzido em larga escala era um dos meus objetivos desde o início do trabalho”, revela Campos da Costa, que já atuou em um estudo na área de nanotecnologia aplicada à saúde em 2016. Naquela ocasião, a pesquisa tinha como objetivo desenvolver um biossensor para detecção precoce de hepatite C e câncer de ovário.

Tecnologia – desenvolvida por João Paulo em seu mestrado em engenharia elétrica na EESC -também pode ser programada para atuar no diagnóstico de outras doenças crônicas virais, como o HIV, e outros tipos de hepatite  – Foto: Henrique Fontes/SEL-USP

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Portabilidade

Outra vantagem do aparelho eletrônico é sua portabilidade. Isso porque é possível levar o exame até pessoas com dificuldades de locomoção ou acamadas, que não conseguem se deslocar ao hospital mais próximo, ou mesmo a populações residentes em áreas de difícil acesso. A tecnologia utilizada no dispositivo é brasileira e, segundo o especialista, não há empresas nacionais que produzam esse tipo de solução.

Os experimentos de incubação e ligação dos antígenos e anticorpos para detectar a infecção pelo vírus da hepatite C foram realizados no Laboratório de Imunologia Clínica e Biologia Molecular da FCFAR. Sempre que o exame para anti-VHC apontava positivo, o procedimento era repetido outras duas vezes como forma de garantir a reprodução fiel dos resultados. Os professores Elson Longo e Wagner Bastos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Maria Aparecida Bertochi do Instituto de Química (IQ) da Unesp, em Araraquara, também colaboraram com o trabalho. Durante seu mestrado, Costa teve a orientação do professor João Paulo do Carmo, do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL) da EESC.

Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no âmbito do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), a pesquisa surge em um momento crucial pelo fato de o Brasil ter lançado, no início do mês, um plano para erradicar a hepatite C até 2030. De acordo com o Ministério da Saúde, a meta é tratar, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), todos os pacientes diagnosticados e apresentar novas iniciativas para testar o máximo de pessoas de forma simplificada. Nesse sentido, o novo dispositivo pode ser mais uma ferramenta útil para o diagnóstico precoce da doença e, consequentemente, seu tratamento mais eficaz.

Com informações de Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do SEL

Mais informações: comunica.sel@usp.br ou pelo telefone (16)3373-8740


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