Cientistas testam droga contra verminose que afeta ribeirinhos

Resultados podem dar base científica para o governo usar a ivermectina no tratamento e controle da mansonelose

 07/07/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 14/08/2018 às 11:49
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Borrachudos adultos se alimentam de sangue, transmitindo a mansonelose – Foto: Alan R. Walker via Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0

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Pesquisadores da USP estão testando o fármaco ivermectina para o tratamento da mansonelose, verminose que afeta ribeirinhos do Estado do Amazonas. Causada pelo verme Mansonella ozzardi, a doença é transmitida pela picada de algumas espécies de borrachudo. Os testes foram realizados no Rio Purus, entre os municípios amazonenses de Lábrea e Canutama. Os resultados preliminares mostraram a eficácia da ivermectina para eliminar do organismo o parasito causador da doença e poderão dar embasamento científico para o Ministério da Saúde e as prefeituras adquirirem a droga e distribuir nas áreas afetadas.

O estudo é realizado pelo pesquisador Sergio de Almeida Basano, em seu pós-doutorado pela Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), com orientação do professor Luís Marcelo Aranha Camargo, coordenador do ICB5, base permanente de ensino, pesquisa e extensão que o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP mantém desde 1997 na cidade de Monte Negro, em Rondônia.

Fachada do ICB-5, na cidade de Monte Negro, em Rondônia – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A mansonelose afeta, em média, de 40% a 50% dos ribeirinhos, chegando, em algumas localidades, a atingir até 70% dos moradores. “A população afetada já costuma se tratar com ivermectina, droga utilizada contra outros tipos de verminoses e que não necessita de receita médica para compra”, explica Aranha Camargo. Porém, segundo o médico, as prefeituras das regiões afetadas poderiam comprar esse fármaco caso não houvesse um problema: o fato de a mansonelose não estar indicada para tratamento na bula da ivermectina. “Por isso, nas áreas endêmicas, as prefeituras não podem comprá-la, sob risco de serem questionadas pelo Tribunal de Contas. Diante disso, a sociedade civil se organizou e entrou com processos contra várias prefeituras e até mesmo contra o próprio Ministério da Saúde por omissão em não adquirir o fármaco”, relata.

O professor foi procurado pelo Ministério da Saúde para realizar os testes clínicos com a ivermectina no tratamento da mansonelose. “Se o resultado fosse positivo, daria aval para o poder público autorizar a compra sem correr o risco de ser processado pelo Tribunal de Contas”, explica o docente.

Estudo clínico fase 3

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Laboratório de Análises Clínicas do ICB-5, cidade de Monte Negro – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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Em 2008, o Ministério da Saúde autorizou um estudo clínico fase 2, que analisou o comportamento da ivermectina no tratamento da mansonelose, indicando a não toxicidade e a eficácia do fármaco. Este estudo foi realizado pelo pesquisador Sergio Basano, em sua tese de doutorado pela USP. Os resultados foram publicados no The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene.

Com isso, o ICB5 obteve autorização para o ensaio clínico fase 3: um estudo experimental com dois grupos participantes (placebo e ivermectina) e duplo cego (nem os pesquisadores nem os pacientes sabiam quem recebia placebo ou fármaco).

A pesquisa foi realizada em 2016 com 260 ribeirinhos do Rio Purus, entre Lábrea e Canutama. O fármaco foi testado numa dose única (dia zero) em 40 pessoas que apresentaram resultado positivo para mansonelose. As 20 pessoas do grupo controle receberam placebo e as outras 20, ivermectina. Por questões éticas, quem recebeu placebo no dia zero recebeu ivermectina no dia 3 e vice-versa. Os pacientes também realizaram exames laboratoriais antes e depois da intervenção e responderam a questionários nos dois momentos.

Bacia Amazônica com a localização do Rio Purus – Mapa: Wikimedia Commons

Resultados

“Os resultados preliminares indicam que a droga é segura, com alguns efeitos discretos como enjoo, dor de cabeça e coceira, mas nada impeditivo de uso”, destaca Aranha Camargo. Um artigo científico sobre o ensaio clínico fase 3 deve ser publicado em breve. “A partir da publicação, o Ministério da Saúde e as prefeituras terão embasamento científico para a compra do fármaco e talvez até as indústrias farmacêuticas possam modificar a bula da ivermectina”, sugere.

Questionado sobre a possibilidade de reinfecção, Aranha Camargo menciona a necessidade de realização de outras pesquisas, pois os dados envolvendo a verminose ainda são muito escassos. Ele lembra que os borrachudos que transmitem a doença vivem 45 dias e, até onde se sabe, o homem é o único reservatório dos parasitos. “Em 2008, na fase 1, viajamos mensalmente para a região e constatamos que os ribeirinhos ficaram praticamente um ano sem o parasito.”

De acordo com o professor, o que pode ter ocorrido é que, com a limpeza do “reservatório” (o homem), o borrachudo não tem onde se contaminar. As novas gerações do inseto vão picar as pessoas, mas não irão transmitir os parasitos pois não há pessoas infectadas. “Talvez isso possa levar a algum impacto de controle da doença”, finaliza o docente.

Poucos estudos

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Mansonelose é uma doença provocada por vermes do gênero Mansonella – Foto: via Wikimedia Commons / Domínio público

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Existem três tipos de Mansonella: a ozzardi, que ocorre no Brasil, a perstans e a streptocerca, que ocorrem na América Central e na África. Os estudos sobre os aspectos clínicos da mansonelose são escassos. Também não há nenhum medicamento específico para tratamento. Os sintomas são bastante genéricos, como um resfriado (sem nariz escorrendo e sem ocorrência de tosse), dor nas juntas, mal-estar e dor de cabeça – quadro que pode ser confundido com outras doenças como malária, dengue, zika e chikungunya.

“A ivermectina já é usada há anos na África e nas Américas para tratamento de oncocercose”, frisa o docente. Conhecida como “cegueira dos rios”, é causada pelo parasita Onchocerca volvulus, da mesma família da Mansonella ozzardi, e comum entre os índios Yanomami que vivem na fronteira do Brasil com a Venezuela. Pesquisas conjuntas entre o ICB5 e a Universidade Federal de São Paulo têm o objetivo de verificar se a M. ozzardi também causa algum tipo de problema ocular.

Entrada do laboratório de análises clínicas do ICB-5 – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Entre os 260 analisados, vários apresentaram resultado positivo para outras doenças como sífilis, HIV e hepatite B. Aranha Camargo conta que depois voltou nas comunidades ribeirinhas para pessoalmente notificar os pacientes e orientá-los sobre os tratamentos dessas doenças, além de notificar o Ministério da Saúde.

Mais informações: e-mail spider@icbusp.org, com o professor Luís Marcelo Aranha Camargo

Acompanhe nas próximas semanas a reportagem especial sobre o ICB5, em Monte Negro, Rondônia

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