Foco do estudo da Faculdade de Saúde Pública é o acompanhamento das mães, desde a gravidez, até os 24 meses das crianças – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Os primeiros mil dias de vida de uma criança compreendem o intervalo que vai desde a concepção até os 24 meses do bebê (270 dias da gestação + 365 dias do primeiro ano de vida + 365 dias do segundo). Pesquisas indicam esse período como uma “janela de oportunidades” para uma série de intervenções importantes que podem melhorar o perfil de saúde da criança na adolescência e na vida adulta.
É a partir dessa ideia que pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP realizam o Estudo MINA-Brasil – Saúde e Nutrição Materno-INfantil no Acre desde 2015, na cidade acriana de Cruzeiro do Sul. Este acompanhamento de longo prazo (coorte) de gestantes e seus filhos tem o objetivo de avaliar aspectos da saúde e da nutrição, desde a concepção dos bebês até os dois primeiros anos de vida (mil dias). Atualmente, conta com a participação de cerca de 900 crianças e suas mães.
Em abril de 2018, um grupo de pesquisadoras coordenado pela professora Marly Augusto Cardoso, do Departamento de Nutrição da FSP, foi até Cruzeiro do Sul e se reuniu com a equipe local para dar andamento a mais uma etapa do projeto: uma nova avaliação das mães e seus filhos, agora na faixa dos 24 meses de idade.
A iniciativa integra o Projeto Temático Estudo MINA – materno-infantil no Acre: coorte de nascimentos da Amazônia Ocidental Brasileira, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Por que avaliar os primeiros mil dias de vida de uma criança?
Há indícios de que exposições adversas tanto na vida intra-uterina como após o nascimento possam afetar a saúde tanto da mãe como do bebê ao longo do ciclo da vida e também nas gerações futuras. Isso se dá por meio das chamadas alterações epigenéticas (variações hereditárias que afetam a expressão gênica sem alterar a sequência dos pares de base do DNA). A promoção da nutrição adequada e do crescimento saudável no intervalo crucial desses mil dias parece resultar em efeitos benéficos sobre a saúde das pessoas no decorrer da vida.
Alguns resultados
O projeto poderá auxiliar na reorientação de políticas públicas voltadas para a saúde materno-infantil, a partir da identificação das vulnerabilidades e necessidades da população. Entre os resultados preliminares, estão:
- Alta prevalência (40%) de anemia entre as parturientes. Uma das causas é a malária gestacional. Cruzeiro do Sul é, atualmente, uma das cidades com maior número de casos da doença no Brasil. Leia neste link reportagem especial do Jornal da USP sobre o tema.
O uso de sulfato ferroso durante a gravidez e um número de consultas satisfatório no pré-natal poderiam prevenir a ocorrência de anemia gestacional
- Baixo aleitamento materno exclusivo (média de um mês). A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda alimentação exclusiva com leite materno até os seis meses de vida. Nos resultados preliminares do estudo MINA-Brasil, a prevalência de aleitamento materno exclusivo no primeiro mês de vida foi de 43.7%, com mediana de duração de 30 dias. Além da introdução de fórmulas infantis, o uso de chupeta foi também associado à menor duração do aleitamento materno exclusivo. Esses resultados estão na dissertação de mestrado de Paola Mosquera
Entre as causas está a introdução precoce de outros alimentos, principalmente fórmulas infantis. Por mais evoluídas que sejam do ponto de vista tecnológico, elas não conseguem reproduzir uma série de compostos naturalmente presentes no leite materno.
O aleitamento materno é uma estratégia de saúde muito importante que deve ser reforçada para potencializar a inteligência e a saúde da criança. Além de ser benéfica para a saúde da mulher: mães que amamentam têm menor risco para desenvolver câncer de mama no futuro
- Um outro benefício do Estudo MINA-Brasil é a formação de pesquisadores em Cruzeiro do Sul que podem dar continuidade às pesquisas, além da capacitação de recursos humanos que atuam localmente
- A professora Marly Cardoso destaca um caso onde a presença dos pesquisadores foi fundamental para o diagnóstico correto de uma criança. A pesquisadora da Fiocruz Simone Ladeia esteve em campo no projeto MINA-BRASIL e fez encaminhamento de uma criança com suspeita de autismo durante a coleta de dados. Esse rastreamento precoce foi fundamental para propiciar o acompanhamento adequado da criança e oferecer suporte aos pais para o desenvolvimento infantil. Atualmente, graças à intervenção do pesquisadores do MINA-BRASIL, a criança recebe tratamento e leva uma vida praticamente normal.
Próximas etapas
Os pesquisadores estão na expectativa de conseguir um financiamento em parceria com o National Institutes of Health (NIH) – os Institutos Nacionais de Saúde, dos Estados Unidos – e pesquisadores americanos, para fazer o acompanhamento dos bebês aos 4 e 5 anos de idade. O objetivo é analisar os riscos para doenças cardiovasculares nessa fase da vida e o aumento excessivo de peso, e comparar esse padrão de desenvolvimento com outras coortes internacionais.
Professora Marly Augusto Cardoso, coordenadora do projeto MINA
“Análises das curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmam a importância dos dois primeiros anos de vida como uma “janela de oportunidades” para promoção da saúde e do capital humano de uma população.
Leia o artigo, na íntegra, neste link
As pesquisadoras do MINA-Brasil:
Em abril de 2018, elas saíram de São Paulo e foram para Cruzeiro do Sul participar de mais uma etapa do projeto
Waleska Regina Machado Araujo
Doutorado / Faculdade de Medicina da USP
Pesquisa o desenvolvimento neuropsicomotor em crianças de uma coorte de nascimentos na região Amazônica
“A ida a Cruzeiro oportunizou a experiência de coleta de dados em campo, necessária para um pesquisador. A interação com as crianças e seus pais permitiu uma troca de informações que vai além dos questionários. Pude conhecer sua cultura, seus costumes e anseios, sendo capaz de compreender melhor a realidade local.”
Mayara Sanay da Silva Oliveira
Doutorado / Faculdade de Saúde Pública
Pesquisa as práticas culinárias de mães residentes em Cruzeiro do Sul a partir de uma abordagem qualitativa e feminista
“Estar em Cruzeiro do Sul me proporcionou um crescimento acadêmico, profissional e pessoal. Realizando uma pesquisa etnográfica, as mulheres permitiram que eu conhecesse um pouco mais de suas vidas, não apenas relacionadas as suas práticas alimentares e culinárias, mas a realidade da vida das mulheres em Cruzeiro do Sul. Nesse contexto, pude perceber as batalhas diárias travadas por cada uma dessas mulheres em seus contextos e me questionar em relação as políticas públicas da própria cidade e do país para diminuição as iniquidades de gênero.”
Emanuella Pinheiro da Silva Oliveira
Doutorado / Faculdade de Odontologia
Pesquisa defeitos de desenvolvimento do esmalte dentário na dentição decídua associados a fatores materno-infantis na região amazônica
“A experiência em Cruzeiro do Sul é incrível! Um encontro muito informativo nos permitiu ter um panorama da situação. Assim, esperamos que nossos estudos possam contribuir para formulações de políticas públicas. Experiência culinária muito agradável, o clima é realmente um desafio, mas conseguimos contornar. Fomos muito bem recebidas.”
Priscila de Morais Sato
Pós-doutoranda bolsista da Fapesp/Faculdade de Saúde Pública
Pesquisa o consumo de alimentos ultraprocessados e práticas alimentares de mães em Cruzeiro do Sul
“Ir a Cruzeiro do Sul foi extremamente enriquecedor e estimulante. Conhecer e observar as relações alimentares em uma cultura com fortes tradições concomitantes à disponibilidade cada vez dos produtos ultraprocessados tem me proposto pensar na transição alimentar e nutricional sob novas perspectivas.”
Lalucha Mazzucchetti
Pós-doutorado / Faculdade de Saúde Pública
Pesquisa a identificação dos fatores que influenciaram no crescimento linear das crianças do nascimento até os 2 anos de idade
“Conhecer a cidade de Cruzeiro do Sul, as crianças e suas famílias trouxe outra significância para a pesquisa. Esta interação em campo transformou os números em “rostos, sorrisos, choros e vida”. Sem dúvida, esta experiência foi muito enriquecedora, seja do ponto de vista acadêmico ou pessoal.”
Equipe
- Pesquisadora responsável:
Professora Marly Augusto Cardoso (Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública/FSP da USP)
- Pesquisadores principais:
Alícia Matijasevich Manitto (Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP/FMUSP)
Suely de Godoy Agostinho Gimeno (professora aposentada do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e professora sênior do Departamento de Nutrição da FSP)
- Pesquisadores Associados:
Bárbara Hatzlhoffer Lourenço (Departamento de Nutrição da FSP)
Ester Cerdeira Sabino (Instituto de Medicina Tropical/IMT da USP)
Fernanda Baeza Scagliusi (Departamento de Nutrição da FSP)
Jenny Abanto (pós-doutoranda do Departamento de Epidemiologia da FSP)
Luciana Yuki Tomita (Departamento de Medicina Preventiva da EPM/UNIFESP)
Leopoldo Antunes (Departamento de Epidemiologia da FSP)
Maíra Barreto Malta (pós-doutoranda bolsista da Fapesp)
Marcelo Urbano Ferreira (Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas/ICB da USP)
Maria Antonieta de Barros Leite Carvalhaes (Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista/Unesp)
Maria Helena D’Aquino Benício (Departamento de Nutrição da FSP)
Silvia Beatriz Boscardin (Departamento de Parasitologia do ICB)
- Pesquisadores da Universidade Federal do Acre (UFAC) – Campus Floresta:
Bruno Pereira da Silva
Rodrigo Medeiros de Souza
Ana Alice de Araújo Damasceno
- Pesquisadores em Instituições Internacionais:
Márcia C. Castro (Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, Estados Unidos)
Lu Qi (Universidade de Tulane, Estados Unidos)
Delanjathan Devakumar (University College of London, Reino Unido)
- Outros participantes:
O orientador e a co-orientadora da pesquisadora Emanuella Pinheiro da Silva Oliveira são:
Marcelo José Strazzeri Bönecker (professor da Faculdade de Odontologia da USP)
Jenny Abanto (professora da Faculdade de Odontologia da Associação Paulista de Cirurgiões Dentista/APCD)
- Faculdade de Saúde Pública da USP
- Instituto de Ciências Biomédicas da USP
- Faculdade de Medicina da USP
- Faculdade de Odontologia da USP
- Universidade Federal do Acre (UFAC) – Campus Floresta
- Universidade de Harvard (Estados Unidos)
- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Acre – FAPAC
- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)
- Fundação Maria Cecília Souto Vidigal
- Programa Ciência Sem Fronteiras
- Secretaria de Estado da Saúde do Acre (Sesacre)
- Programa Pesquisa Para o SUS (PPSUS)
Reportagem: Valéria Dias | Fotos: Cecília Bastos | Arte: Larissa Fernandes