Impressões metabólicas contam a história evolutiva das plantas

O novo método de análise foi testado em um gênero de planta endêmica dos Andes, a Espeletia

 22/08/2017 - Publicado há 7 anos
Novo método de análise da composição química é testado em plantas andinas e mostra como elas se distribuem geograficamente, levando ao entendimento da sua história evolutiva – Foto: Federico Padilla

No páramo, um ecossistema encontrado no alto da cordilheira dos Andes, há ocorrência de um gênero de plantas chamado Espeletia que pode servir de chave para entender a especiação e distribuição de espécies ao longo da história dos andes sul-americanos.

Em artigo publicado no dia 18 de agosto na Scientific Reports, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP descrevem pela primeira vez como as Espeletia se distribuem geograficamente a partir da análise das suas impressões metabólicas.

O estudo possibilitou a confirmação de uma antiga hipótese sobre a história evolutiva desse gênero que habita o ecossistema de alta montanha mais diverso do planeta – só de Espeletia são 72 espécies descritas.

Trabalhos do tipo costumam ser feitos com ferramentas genômicas, análise de marcadores do DNA ou por comparações morfológicas. Mas a partir do uso da metabolômica – que lida com o estudo do conjunto de substâncias químicas produzidas por um organismo, produtos do metabolismo –, os pesquisadores conseguiram mapear a composição química das espécies a partir da combinação de técnicas de análise de extratos de plantas, dados geográficos e estatística multivariada.

“Basicamente, pegamos a composição química das espécies de Espeletia, o metaboloma, e vimos que havia uma relação com a origem geográfica delas, em que espécies presentes na mesma localidade apresentam perfis químicos semelhantes. Essa relação já tinha sido encontrada com base em marcadores moleculares, porém numa escala geográfica maior. Isso mostra que a geografia dos Andes não só determinou a evolução deste grupo de plantas, e possivelmente também de outras na região, mas também moldou a composição química destas espécies”, disse Federico Padilla, um dos autores do artigo, à  Agência Fapesp.

A geografia dos Andes não só determinou a evolução deste grupo de plantas, e possivelmente também de outras na região, mas também moldou a composição química destas espécies.”

O estudo está relacionado ao Projeto Temático Estudos morfoanatômicos, metabolômicos e moleculares como subsídios à sistemática de espécies de Asteraceae e acesso ao seu potencial farmacológico e a um auxílio à pesquisa apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Os pesquisadores destacam que modelos análogos ao descrito no artigo podem ser empregados para obter “impressões metabólicas” de outras plantas com a finalidade de mapear sua origem geográfica..

“Esse novo modelo poderá ser usado na agricultura, com plantas medicinais ou até mesmo pela polícia, para identificar, por exemplo, a origem da maconha consumida em uma determinada região”, disse o professor Fernando Batista da Costa , orientador do estudo de Padilla e coautor do artigo publicado na Scientific Reports.

Esse novo modelo poderá ser usado na agricultura, com plantas medicinais ou até mesmo pela polícia para identificar a origem da maconha consumida em uma determinada região.

Os pesquisadores contam que com a técnica é possível estudar de uma só vez praticamente todos os metabólitos produzidos por uma determinada planta.

“Na fitoquímica clássica, estudávamos uma planta por vez e, usualmente, identificávamos poucas substâncias químicas. Agora, com as novas técnicas e equipamentos – como o cromatógrafo líquido acoplado a espectrometria de massas que usamos –, podemos reunir 100 ou mais extratos de plantas de uma só vez e obter uma matriz de dados representando putativamente mais de mil substâncias químicas”, disse Padilla.

A pesquisa teve a colaboração do biólogo Mauricio Diazgranados, do Royal Botanic Gardens, Kew, no Reino Unido. “Ele forneceu o material coletado durante mais de três anos em páramos na Venezuela e Colômbia, num projeto que envolveu seu doutorado em filogenia e taxonomia. Depois do envio das amostras, foram mais três anos fazendo análises metabolômicas e empregando ferramentas computacionais”, disse Padilla.

Barreira andina

O trabalho agora publicado confirma uma hipótese levantada por pesquisadores do Museu Nacional de História Natural dos Estados Unidos, Smithsonian, na década de 1990 – e sustentada parcialmente até então por marcadores moleculares –, sobre a origem e as rotas de migração de Espeletia pelo norte dos Andes.

De acordo com a hipótese, as plantas se diversificaram quando a primeira população do gênero começou a se expandir em duas direções a partir da cordilheira de Mérida, a mais elevada na Venezuela. Uma parte se espalhou pelos Andes Venezuelanos, enquanto a outra colonizou os Andes Colombianos e o norte do Equador.

A confirmação da antiga hipótese veio após o estudo dos metabólitos secundários – substâncias químicas relacionadas à adaptação das plantas no ecossistema –, que possibilitou analisar padrões de distribuição e como elas se diversificaram quimicamente nos páramos colombianos.

O artigo Biogeography shaped the metabolome of the genus Espeletia: a phytochemical perspective on an Andean adaptive radiation, de Guillermo F. Padilla-González, Maurício Diazgranados e Fernando D. da Costa , pode ser lido na Scientific Reports.

Maria Fernanda Ziegler / Agência Fapesp, com edição do Jornal da USP (Leia aqui o texto original na íntegra)

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