Estudo revela papel dos nervos simpáticos para saúde muscular

O papel do sistema nervoso simpático no tecido muscular vai muito além de controlar o fluxo sanguíneo

 10/02/2017 - Publicado há 7 anos
Biosensores permitem ver no microscópio, com o animal vivo, a dinâmica dos neurotransmissores e receptores envolvidos na transmissão do sinal dos nervos simpáticos para o músculo - Imagem: Luiz Carlos Carvalho Navegantes
Biossensores permitem ver no microscópio, com o animal vivo, a dinâmica dos neurotransmissores e receptores envolvidos na transmissão do sinal dos nervos simpáticos para o músculo – Imagem: Luiz Carlos Carvalho Navegantes

.
Estudos conduzidos na USP têm mostrado que, ao contrário do que se pensava, o papel do sistema nervoso simpático no tecido muscular vai muito além de controlar o fluxo sanguíneo por meio da contração ou relaxamento dos vasos.

Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a colaboração de pesquisadores das Universidades de Mannheim e Heidelberg, na Alemanha, o grupo coordenado pela professora Isis do Carmo Kettelhut, do Departamento de Bioquímica e Imunologia, e pelo professor Luiz Carlos Carvalho Navegantes, do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, demonstrou a importância da inervação simpática para o crescimento e a manutenção da massa muscular e também para o controle dos movimentos.

Os resultados mais recentes da investigação foram publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

“Além de contribuir para uma melhor compreensão da fisiologia da musculatura esquelética, esses achados têm implicações no tratamento de doenças neuromusculares, como, por exemplo, as síndromes miastênicas”, disse à Agência Fapesp Luiz Carlos Carvalho Navegantes, coautor do artigo.

A linha de pesquisa voltada a entender como o sistema nervoso regula a expressão de proteínas no tecido músculo esquelético teve início há 23 anos, quando Navegantes se uniu a Kettelhut e ao professor Renato Migliorini no Laboratório do Controle do Metabolismo da FMRP.

Em uma série de estudos publicados entre 2000 e 2014, o grupo revelou o papel anabólico que essa inervação autonômica – que também controla funções como frequência cardíaca, dilatação dos brônquios e motilidade intestinal – exerce sobre o metabolismo de proteínas nos músculos.

Em experimentos com camundongos, o grupo da USP observou que a remoção cirúrgica ou química da inervação simpática no tecido muscular interferia no metabolismo do tecido, induzindo intensa degradação de proteínas e, consequentemente, atrofia muscular.

Os resultados, inéditos na literatura, despertaram interesse do grupo coordenado por Rüdiger Rudolf, na Alemanha. Por meio de um acordo de cooperação firmado entre a Fapesp e a Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG), teve início em 2012 um projeto colaborativo.

“Graças à parceria com o grupo alemão, foi possível confirmar a nossa hipótese de que a inervação simpática estava presente e funcionalmente ativa na placa motora – região do tecido que gera a contração muscular. Também demonstramos que esses nervos auxiliam a inervação motora a manter a estrutura da placa e controlar as contrações”, contou Navegantes.

“Os colegas brasileiros contribuíram com sua grande experiência em metabolismo de proteínas e em modelos experimentais de ativação e bloqueio das funções simpáticas, bem como na análise bioquímica da atividade simpática muscular. Nós contribuímos com o know-how em produção de imagens in vivo usando biossensores e outras técnicas, bem como com nossa experiência em fisiopatologia da junção neuromuscular. Tem sido um ajuste perfeito e uma interação extremamente agradável”, disse Rudolf à Agência Fapesp.

Mecanismo de ação desvendado

Inicialmente, foram usadas técnicas de imuno-histoquímica – que consistem em usar anticorpos contra proteínas específicas para localizar essas moléculas e visualizá-las em microscópio – para confirmar a presença da inervação simpática na placa motora.

Em seguida, o grupo adotou uma metodologia conhecida como transferência de energia por ressonância de Förster (FRET), que permite ver no microscópio, com o animal vivo, a presença e a dinâmica dos neurotransmissores e receptores envolvidos na transmissão do sinal dos nervos simpáticos para o músculo.

“Observamos na placa motora a presença de receptores do tipo β2-adrenérgico, que são ativados pela noradrenalina [neurotransmissor liberado pela inervação simpática]. Anteriormente, acreditava-se que esses receptores estavam presentes apenas nos vasos que irrigam os músculos e nas membranas das fibras musculares”, disse Navegantes.

As imagens feitas com auxílio de biossensores fluorescentes mostraram que, quando a noradrenalina liberada pelo nervo simpático se acopla ao receptor β2-adrenérgico, um segundo mensageiro conhecido como adenosina monofosfato cíclico (AMPc) é liberado na placa motora. “A presença de AMPc comprova que a inervação simpática, além de estar presente na placa, também está ativa”, explicou Navegantes.

Com base em dados da literatura científica, os pesquisadores defendem a teoria de que o aumento na concentração de AMPc contribua para aumentar a estabilidade dos chamados receptores colinérgicos – aqueles que reconhecem o neurotransmissor acetilcolina, liberado pela inervação motora. Dessa forma, a inervação simpática estaria auxiliando indiretamente a inervação motora no controle da contração muscular.

“Existem relatos na literatura de que os receptores colinérgicos se tornam mais estáveis quando são administrados in vitro fármacos que aumentam a concentração de AMPc na placa motora. Mas não se sabia como a regulação acontecia, ou seja, quem induzia o aumento deste segundo mensageiro na placa motora. Nós estamos sugerindo que esse sinal extracelular é a noradrenalina liberada pela inervação simpática”, disse Navegantes.

Consequências funcionais

Sistema nervoso - Imagem: wikimedia commons
Sistema nervoso – Imagem: wikimedia commons

.
O passo seguinte foi investigar o que acontecia com camundongos quando a inervação simpática era eliminada do tecido muscular – processo chamado desnervação. Para isso, os pesquisadores trataram camundongos com uma neurotoxina (6-hidroxi-dopamina) capaz de destruir os neurônios simpáticos de forma seletiva, ou seja, sem interferir na inervação motora ou nas demais células.

“Após essa intervenção, observamos que o animal passou a apresentar deficiência na atividade contrátil. Por meio de imuno-histoquímica, verificamos que tanto o tamanho quanto o formato da placa motora estavam totalmente alterados. Houve uma redução em torno de 57% no número de receptores colinérgicos. Esses resultados sugerem que a inervação simpática é essencial para a manutenção da placa motora”, contou Navegantes.

Para tentar reverter a disfunção induzida pela droga, os pesquisadores trataram os animais com um simpatomimético, ou seja, uma droga cuja estrutura é muito semelhante à da noradrenalina liberada pela inervação simpática.

“Essa droga tem afinidade pelos receptores β2-adrenérgicos, os quais já havíamos demonstrado estarem presentes na placa. Dessa forma, estaríamos simulando a liberação natural de noradrenalina feita pela inervação simpática. Foi observada uma melhora na estrutura da placa, bem como no aspecto morfológico”, disse o pesquisador.

No experimento seguinte, o grupo testou o mesmo tratamento em um modelo animal de síndrome miastênica – no qual os camundongos são alterados geneticamente para desenvolver um quadro semelhante ao de pacientes humanos. Nesses casos, tanto a placa motora quanto os receptores colinérgicos estão alterados e, como consequência, há deficiência na contração muscular.

“Antes do tratamento, o grupo geneticamente alterado apresentava uma placa motora 44% menor que a do grupo controle. Com o simpatomimético, a diferença caiu para 6% e a atividade locomotora dos animais melhorou”, contou o pesquisador.

Embora os efeitos benéficos dessas drogas simpatomiméticas no tratamento de miastenia sejam conhecidos, explicou Navegantes, o risco de efeitos colaterais limita o uso. Elas são consideradas anabolizantes e um dos efeitos adversos possíveis é a hipertrofia cardíaca, que pode levar à insuficiência do órgão.

No entanto, como agora o mecanismo de ação desses fármacos foi elucidado, abre-se a possibilidade de testar novas substâncias capazes de aumentar a concentração de AMPc nas células musculares sem ativar os receptores β2-adrenérgicos.

“Existem drogas já aprovadas para uso humano que fazem isso e nunca foram testadas para o tratamento de doenças neuromusculares ou para combater a perda de massa muscular que acomete pacientes com sepse, diabetes, câncer ou distrofias. Esse é o nosso próximo passo”, contou Navegantes.

O artigo Sympathetic innervation controls homeostasis of neuromuscular junctions in health and disease, de Muzamil Majid Khan, Luiz C. C. Navegantes e outros, pode ser lido neste link.

Karina Toledo / Agência Fapesp


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.