Desmatamento pode afetar bactérias benéficas na pele dos sapos

Alterações nos hábitats afetam microrganismos cutâneos e podem determinar surtos de doenças nas populações de anfíbios

 18/12/2017 - Publicado há 6 anos
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Sustentabilidade de populações de anfíbios pode estar relacionada às interações entre hospedeiro, microrganismos e ambiente. Na imagem, Aplastodiscus leucopygius – Foto: Ananda Brito de Assis

Já faz algum tempo que as bactérias, como grupo de seres vivos, deixaram de ser vistas exclusivamente como vilãs à saúde. E isso não é válido apenas para as que povoam o organismo humano. De acordo com a bióloga Ananda Brito de Assis, algumas bactérias da pele podem ajudar a proteger os anfíbios, atuando como uma primeira barreira de proteção contra microrganismos causadores de doenças – além de terem um grande potencial biotecnológico, já que ainda foram pouco estudadas.

Ananda é autora de pesquisa realizada no Instituto de Biociências (IB) da USP que atestou que a diversidade de micróbios da pele de espécies de sapos na Mata Atlântica do Brasil pode variar bastante de acordo com o hábitat. Mais do que isso, tal diversidade pode ser afetada pela qualidade do hábitat. Para chegar a essa conclusão, a bióloga comparou comunidades microbianas hospedadas por anfíbios habitantes de áreas fragmentadas e áreas preservadas de floresta atlântica.

Já se sabe que a redução de grandes extensões de mata a pequenos remanescentes causa alterações em parâmetros importantes como a disponibilidade de água, radiação solar, nutrientes entre outros fatores que afetam bactérias e fungos. “Paisagens antropizadas [modificadas pela ação humana], no caso, fragmentos de Mata Atlântica, que são matas isoladas e de tamanho reduzido, possuem fatores abióticos e bióticos diferentes de uma mata contínua e preservada”, aponta ela.

Assim, o objetivo inicial de seu estudo era “entender se a microbiota [conjunto de microrganismos que habitam um determinado local] da pele seria também afetada pela fragmentação das florestas e, consequentemente, se esses animais teriam prejuízo na capacidade protetora fornecida por essa comunidade microbiana hospedada”, diz Ananda. Dessa maneira, a sustentabilidade de populações de anfíbios poderia estar relacionada às interações entre hospedeiro, microrganismos e ambiente.

Além da fauna e da vegetação, a redução de grandes extensões de mata a pequenos remanescentes afeta bactérias e fungos. Na imagem, exemplar de Phyllomedusa distincta – Foto: Ananda Brito de Assis

Entre o campo e o laboratório

Começando a investigar a questão durante seu mestrado, a pesquisadora coletou amostras de micróbios de quatro espécies de sapos. Na fase inicial, foram cultivadas bactérias de 188 sapos e depois foram avaliadas as culturas nos quesitos diversidade e potencial antimicrobiano.

Indo a campo, Ananda explorou regiões de mata em Santa Virgínia, no Parque Estadual da Serra do Mar, Ribeirão Grande, Capão Bonito e em São Luís do Paraitinga. Seu percurso envolveu imersão nas regiões fechadas em busca das espécies que definiu como alvo inicial da pesquisa.

O estudo descobriu que, para um sapo específico (Proceratophrys boiei), a diversidade de micróbios era mais de duas vezes maior em floresta contínua do que em fragmentos. No entanto, essa diversidade não variou entre os tipos de floresta nas outras três espécies, sugerindo que a perda da qualidade do hábitat incide de maneira diferente nas diversas espécies de anfíbios.

“Em uma primeira vista, consegui ver claramente que o sapinho do chão da mata possui uma comunidade microbiana bem complexa, altamente diversa. Em comparação com as pererecas, que ocupam a vegetação, que hospedam comunidades mais simples”, destaca a bióloga.

Proceratophrys boiei, popularmente conhecido como “sapo-de-chifres”: tese confirmou que a microbiota cutânea e secreções dérmicas dessa espécie podem prevenir infecções – Foto: Ananda Brito de Assis

Em busca de diversidade

Dedicando-se exclusivamente ao Proceratophrys boiei durante o doutorado, Ananda buscou meios para caracterizar a comunidade microbiana hospedada nesta espécie e analisar a sua relação com comunidades microbianas ambientais.

Os resultados mostraram que a microbiota cutânea de P. boiei apresentou variações entre indivíduos e populações. Além disso, confirma a bióloga em sua tese, “a qualidade do hábitat mostrou-se ser um fator importante para a diversidade de bactérias hospedadas”. “Apesar de existir uma porção da comunidade que não varia ao longo de populações, uma outra parte está relacionada às comunidades presentes nos micro-hábitats desses animais, e é esta parte que deve determinar as mudanças observadas.”

A porção estável da microbiota cutânea indica que o microambiente da pele dessa espécie oferece condições para a colonização de comunidades bacterianas específicas.

“Percebi que a relação da microbiota cutânea do sapo é mais estreita com o próprio animal do que com as características do ambiente onde ele vive. Ou seja, características do anfíbio modulam, em boa parte, a comunidade que ele hospeda sobre sua pele”, pontua. No entanto, alterações no ambiente não podem ser desconsideradas, pois o estudo mostrou uma influência ambiental, e alterações na estrutura dessa comunidade podem determinar surtos de doenças nas populações.

A tese confirma que a microbiota cutânea e secreções dérmicas de P. boiei podem prevenir infecções. Pois os ensaios realizados mostraram as propriedades antibióticas de bactérias isoladas da pele de P. boiei. A capacidade antibiótica das bactérias do sapo mostrou-se até mesmo mais potente que as secreções produzidas pelo próprio animal. Alguns dos patógenos testados foram: Escherichia coli, Salmonella typhi, Pseudomonas aeruginosa, Klebisiella pneumoniae e Streptococcus epidermidis. Com relação às bactérias produtoras de antibióticos, Ananda também observou variações populacionais. Algumas populações apresentaram uma diversidade maior desse tipo de bactéria em relação a outras. Assim, é possível que algumas populações estejam mais bem preparadas para enfrentarem a chegada de um microrganismo invasor do que outras.

Para bióloga, muitas questões ecológicas e fisiológicas poderão ser sanadas com o estudo da microbiota dos anfíbios, além dessa comunidade ter um grande potencial biotecnológico e para estratégias de conservação. Na foto, o Proceratophrys boiei – Foto: Ananda Brito de Assis

De acordo com Ananda, o estudo da microbiota dos anfíbios ainda é muito recente. “A primeira menção na literatura sobre a possível existência de bactérias na pele de anfíbios se deu no ano de 1986, mas a maioria dos artigos foram publicados nos últimos 17 anos. Neste momento ainda sabemos pouco e é preciso mais pesquisa, pois muitas questões ecológicas e fisiológicas poderão ser sanadas com o estudo desse sistema, além de ter um grande potencial biotecnológico e para estratégias de conservação”, conclui ao confirmar que mesmo após o doutorado as pesquisas continuarão.

A tese Microbiota cutânea e secreções dérmicas de Proceratophrys boiei (Amphibia, Anura) em fragmentos de Floresta Atlântica foi orientada pelo professor Carlos Arturo Navas Iannini, do IB, e pode ser acessada neste link.

Mais informações: e-mail nirmalananda@gmail.com, com Ananda Brito de Assis

 


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