Monitoramento voluntário mostra fatores que interferem na qualidade da água de rios

Dados obtidos por mil voluntários na análise de 150 rios em 4 países mostram efeito da vegetação e do lançamento de esgotos sobre nível de nutrientes das águas

 21/11/2016 - Publicado há 7 anos
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Voluntário do projeto Observatório da Água Doce em atividade de coleta - Foto: Cedida pelo pesquisador
Voluntário do projeto Observatório da Água Doce em atividade de coleta – Foto: Cedida pelo pesquisador

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Informações de monitoramento de qualidade da água de 150 rios, obtidas por cerca de mil voluntários em 4 países, estão reunidas em pesquisa do projeto FreshWater Watch (Observatório da Água Doce), concebido pelo Instituto Earthwatch, e que conta com a participação da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP. As informações, que incluem observações em 80 rios brasileiros, foram combinadas com dados globais que descrevem os principais fatores que interferem nos ambientes aquáticos. As conclusões da análise demonstraram a influência do lançamento de esgotos no aumento de nutrientes (fósforo e nitrogênio) que prejudicam a qualidade da água. Por outro lado, a vegetação ripária (mata ciliar) contribuiu para controlar os nutrientes e melhoria da qualidade da água. A expectativa dos pesquisadores é que esses resultados possam orientar políticas públicas na área ambiental.

Voluntária faz registro da coleta, acompanhada pelo filho - Foto: Cedida pelo pesquisador
Voluntária faz registro da coleta, acompanhada pelo filho – Foto: Cedida pelo pesquisador

Os resultados do estudo, que durou dois anos, são descritos em artigo publicado na revista PlOS One. Os voluntários, chamados de “cientistas cidadãos” (citizen scientists), são funcionários do banco HSBC, que financia o projeto, sem formação técnica na área ambiental. “Após uma sessão de treinamento com duração aproximada de oito horas, os voluntários tornaram-se aptos a monitorar pontos em cursos d’água de suas cidades”, afirma o professor Davi Gasparini Fernandes Cunha, da EESC, coordenador científico do projeto no Brasil. “Além de acompanharem a qualidade da água em pontos de coleta previamente escolhidos pelos pesquisadores, os voluntários efetuaram observações sobre as principais características ambientais dos cursos d’água, incluindo uso do solo nos arredores imediatos, presença de fontes diretas de poluição, presença ou ausência de mata ciliar, entre outras características dos ecossistemas e impactos humanos sobre eles.”

Foram analisados 150 rios e riachos nas cidades de Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires (Argentina), Cidade do México (México) e Vancouver (Canadá). No Brasil, a análise envolveu 80 rios – 30 em Curitiba, 20 no Rio de Janeiro e 30 em São Paulo. “O monitoramento contou com a participação de cerca de mil voluntários e o artigo apresenta os resultados das atividades realizadas entre setembro de 2013 e setembro de 2015, que produziram quase 2.100 conjuntos de dados”, descreve Cunha. “Os dois principais indicadores de qualidade monitorados foram nitrato (NO3-) e fosfato (PO43-), que são nutrientes que, quando em elevadas concentrações, podem trazer prejuízos aos diversos usos da água.”

A análise também considerou informações disponíveis em bancos de dados globais, como densidade populacional das bacias hidrográficas e porcentagem de áreas impermeabilizadas, etc. “As concentrações de fosfato foram influenciadas, principalmente, pelo lançamento de esgotos domésticos, industriais e das águas de sistemas de drenagem”, aponta o pesquisador. “A presença de vegetação no entorno dos rios e riachos contribuiu para diminuir as concentrações dos nutrientes, o que reforça a importância da manutenção da mata ciliar ao longo de corpos hídricos.”

Nutrientes

Situações mais favoráveis em relação ao nitrato e ao fosfato foram observadas em Curitiba e em Vancouver. “Por outro lado, as maiores concentrações de nutrientes foram observadas em rios e riachos localizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Cidade do México, refletindo significativo impacto ambiental sobre os cursos d’água dessas cidades”, destaca Cunha. “As formas de uso e ocupação do solo observadas pelos voluntários no entorno dos pontos de coleta também foram significativamente diferentes nas cidades, com predomínio de áreas residenciais urbanas em Buenos Aires e nas três cidades brasileiras, e predomínio de parques urbanos na Cidade do México e em Vancouver.”
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Demonstração da coleta no dia de treinamento dos voluntários realizado em Curitiba - Foto: Cedida pelo pesquisador
Demonstração da coleta no dia de treinamento dos voluntários realizado em Curitiba – Foto: Cedida pelo pesquisador

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De acordo com o professor da EESC, elevadas concentrações de nutrientes em cursos d’água podem contribuir para um processo denominado eutrofização artificial, resultante do aumento excessivo da disponibilidade de fósforo e nitrogênio. “Isso pode trazer consequências negativas para os ambientes aquáticos, como a diminuição das concentrações de oxigênio dissolvido, com consequente mortalidade de organismos aeróbios, além da proliferação de algas e cianobactérias potencialmente tóxicas a animais e seres humanos”, alerta. “Pode ocorrer, assim, limitação dos usos múltiplos da água e sérias restrições ao emprego dos mananciais para o abastecimento público e a dessedentação de animais.”

Na pesquisa, a combinação das observações dos voluntários a respeito das condições do entorno de cada ponto de coleta com informações de bancos de dados globais contribuiu para o melhor entendimento das concentrações de nutrientes nas bacias hidrográficas estudadas. “Isso pode permitir, por exemplo, o estabelecimento de critérios de alerta com base nas observações dos voluntários para evitar o aumento excessivo das concentrações de nutrientes nos cursos d’água e, consequentemente, minimizar a degradação da qualidade da água”, observa Cunha. “Os cientistas cidadãos puderam contribuir de maneira significativa com a produção de dados de baixo custo e com elevada resolução espacial e temporal, com potencial influência sobre políticas públicas e sobre o processo decisório na área ambiental.”

A concepção do programa foi do Instituto Earthwatch, com sede em Oxford (Inglaterra). Cada país envolvido possui um coordenador científico. O artigo da PlOS One contou com a colaboração do instituto e de pesquisadores vinculados à University of the Fraser Valley (Canadá), Universidad Nacional de Luján (Argentina), Loughborough University (Inglaterra) e Restauración Ecológica y Desarrollo A.C. (México). Mais informações sobre o FreshWater Watch podem ser obtidas em: https://freshwaterwatch.thewaterhub.org/pt-br.

Mais informações: email davig@sc.usp.br, com o professor Davi Gasparini Fernandes Cunha


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