Tese descreve ação da molécula que permite a fecundação das plantas

Trabalho premiado investigou atividade biológica de peptídeos hormonais no sistema reprodutivo de planta-modelo

 07/12/2018 - Publicado há 5 anos
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Flores reúnem tanto parte feminina quanto masculina do sistema reprodutivo das plantas. Fertilização começa quando o grão de pólen encontra a parte feminina e germina – Foto: Marie-Lan Nguyen / Wikimedia Commons / CC-BY 2.5

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Assim como os animais, as plantas também dependem de hormônios para crescerem e se reproduzirem. Um grupo desses hormônios era conhecido dos pesquisadores do Laboratório de Bioquímica de Proteínas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, por suas funções nas raízes das plantas quando a bióloga Tabata Bergonci topou a tarefa de explicar o que eles faziam também nos tecidos do sistema reprodutivo. Os resultados foram a descrição inédita da atividade de quatro peptídeos – pequenas cadeias de aminoácidos, menores do que uma proteína – nesses tecidos e a descoberta de que um deles é fundamental para permitir a fecundação das plantas.

A pesquisadora Tabata Bergonci fez parte do doutorado nos EUA – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A tese de Tabata, intitulada “Peptídeos RALF em tecido reprodutivo: caracterização e efeito dos AtRALF 4, 25, 26 e 34”, foi contemplada com o prêmio Tese Destaque USP 2018 e rendeu um artigo publicado na revista Science, em dezembro do ano passado. O artigo combinou os resultados apresentados na tese de Tabata com o trabalho de pesquisadores de China, Estados Unidos, México e Alemanha.

Na maioria das plantas, as flores reúnem tanto a parte reprodutiva feminina quanto a masculina. A parte feminina se encontra no centro da flor e a masculina é identificada pelos estiletes com pólen na ponta. A reprodução começa quando o grão de pólen – masculino – encontra o “órgão” reprodutor feminino. A partir desse encontro, o grão de pólen germina e se alonga para o interior do órgão feminino, formando uma estrutura chamada tubo polínico, até encontrar o óvulo. O professor Daniel Scherer Moura, que orientou Tabata no doutorado do Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento de Plantas da Esalq, conta que a história da pesquisa começou quando um aluno da graduação observou, em seu trabalho de iniciação científica, a presença de grande quantidade de peptídeos RALF (Fator de Alcalinização Rápida, na sigla em inglês) nas estruturas reprodutivas das flores.

O problema era que, até então, sabia-se apenas que os peptídeos desse grupo atuavam como inibidores da expansão celular nas raízes da planta. “A pergunta que eu passei para minha aluna responder foi justamente esta: em primeiro lugar, por que em tecidos reprodutivos nós temos inúmeros desses peptídeos e por que eles são produzidos em tamanha quantidade num tecido que, teoricamente, quer crescer? Ele não precisa ser inibido na sua expansão, ele quer justamente o contrário”, diz Moura. “O que nos chamou a atenção é que metade dos RALFs da planta estavam nos tecidos reprodutivos e eram muito expressos, quando comparávamos com outros (tecidos)”, conta Tabata.

O “camundongo” das plantas

Arabidopsis thaliana tem ciclo de vida curto e genoma sequenciado – Foto: Million Moments/Wikimedia Commons

Para responder à questão, a bióloga trabalhou no Laboratório de Bioquímica de Proteínas com plantas da espécie Arabidopsis thaliana como modelo. Considerada “o camundongo das plantas”, a Arabidopsis é uma das espécies botânicas que os cientistas melhor conhecem. O genoma da planta já foi totalmente sequenciado e seu ciclo de vida curto, que costuma durar de 30 a 45 dias, permite aos pesquisadores realizar e repetir muitos experimentos em pouco tempo. Por outro lado, o tamanho da planta dificulta o estudo do sistema reprodutivo: ela cresce até 20 ou 25 centímetros de comprimento e as flores têm menos de um centímetro.

Os peptídeos RALF são produzidos a partir das instruções contidas em genes específicos das plantas. Tabata clonou os genes dos peptídeos de interesse em bactérias E. coli para poder isolar as moléculas que estava estudando. “É o que a gente chama de produção heteróloga, porque é em outro sistema. Em vez de produzir o RALF na planta e isolar da planta, eu faço a bactéria produzir para mim. E ela produz em grandes quantidades, porque eu clono exatamente num lugar (do DNA) da bactéria que é para produzir grandes quantidades (de proteínas)”, explica a pesquisadora.

Na sequência, ela utilizou os peptídeos isolados em soluções com diferentes concentrações em placas nas quais cultivou tubos polínicos em um meio de cultura. Os experimentos in vitro realizados em Piracicaba, porém, traziam muitos resultados negativos. “Tínhamos poucas técnicas para crescer pólen. A gente tinha resultados bonitos (com microscópio) confocal, mas isso é só bonito visualmente, você não publica nada sem explicar o que o RALF está fazendo lá. A gente tinha que entender e eu passei dois anos sem saber”, conta a autora da tese.

A situação mudou depois que a professora Alice Cheung, da Universidade de Massachusetts (UMass) em Amherst, nos Estados Unidos, enviou um convite para o laboratório. Tabata Bergonci conseguiu uma bolsa do programa Ciência Sem Fronteiras para fazer parte do doutorado no exterior e arrumou as malas para passar um ano em Amherst. Lá, ela ensinou aos novos colegas como produzir peptídeos em grande quantidade a partir de uma bactéria e aprendeu com Cheung uma técnica semi in vivo para experimentos com sistema reprodutivo de plantas. A técnica consiste, basicamente, em fazer um corte na flor para que o pólen germine na estrutura natural da planta, mas se alongue para dentro de um meio de cultura.

Resultados positivos

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Nos experimentos com a técnica de Cheung, Tabata conseguiu observar que os peptídeos RALF 4, 25 e 26 limitavam um pouco o crescimento dos tubos polínicos, cumprindo uma função de manutenção da integridade da estrutura. A grande surpresa veio com o RALF 34. Ainda em Massachusetts, ela pingou uma gota desse peptídeo no tubo polínico e o viu romper. “Eu apliquei uma concentração muito alta. Então, eu diminuí a concentração até a condição fisiológica, que seria a concentração que ocorre na planta realmente, e vi que (o rompimento) continuava acontecendo”, conta a pesquisadora.

Como o RALF 34 é um peptídeo da parte reprodutiva feminina da planta, a descoberta permitiu concluir que ele é a molécula responsável pela fecundação. Assim, os peptídeos RALF 4, 25 e 26 mantém a integridade do tubo polínico até atingir o ovário, onde o RALF 34 entra em ação. Desta forma, o DNA dos núcleos espermáticos é preservado até o encontro com o óvulo. “A gente sabia que existia toda uma sinalização na ponta do tubo polínico quando chega ao óvulo, que faz ele romper. Ele precisa romper para liberar as células espermáticas e essa fecundação acontecer. Mas a gente não sabia qual era o sinal, ninguém sabia. Descobrir qual é a molécula que faz essa fecundação poder acontecer em todas as plantas é com certeza a melhor descoberta”, afirma a bióloga.

O artigo publicado na Science incluiu os resultados da pesquisa com os RALF 4 e 34 e dá um passo além da pesquisa de doutorado de Tabata. É uma história posterior à defesa da tese na Esalq, que aconteceu em agosto de 2016. Segundo Moura, a história começou a se fechar graças à descoberta da atividade biológica descrita pela pesquisadora. Este vídeo produzido na época da publicação conta, resumidamente, quais foram os achados descritos no artigo:

Reunindo os dados de três grupos de pesquisa – o da Esalq, o da UMass e uma equipe da Universidade de Pequim que mantinha contato com Cheung – foi possível concluir que o RALF 4 e outro peptídeo, o RALF 19, trabalham em conjunto com dois receptores, batizados BUPS 1 e BUPS 2, para manter a integridade do tubo polínico. Quando o tubo polínico alcança o ovário, o RALF 34 desloca os outros RALFs e se liga aos receptores BUPS 1 e BUPS 2. Essa operação molecular é o que permite o rompimento do tubo e o que foi descrito na revista internacional.

Mais informações: e-mail tabatab@usp.br, com a bióloga Tabata Bergonci 


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