A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lançou o alerta alguns anos atrás: para alimentar uma população mundial estimada em 9 bilhões de pessoas em 2050, seria necessário duplicar a produção agrícola. Desde então, uma geração de jovens pesquisadores vem se capacitando para produzir mais ocupando menor área, em tempo mais curto e de forma sustentável, mitigando os impactos ambientais. Eles utilizam técnicas de análise genômica e bioinformática para gerar novos cultivares e subsidiar com dados precisos as decisões dos agricultores.
Uma dessas pesquisadoras é a melhorista e geneticista Júlia Silva Morosini, doutoranda no programa de Genética e Melhoramento de Plantas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. Ela trabalha com ferramentas como a predição genômica para fazer o melhoramento genético de milho. No segundo semestre, deve realizar uma série de análises focadas em tornar mais eficiente o uso de nitrogênio.
“Na minha pesquisa, temos informações dos marcadores para estimar quanto uma planta ou população vai produzir ou qual será o desempenho de uma dada característica com base em dados moleculares, antes mesmo da planta ir para o campo”, conta Júlia. “Nosso objetivo é selecionar uma planta que seja capaz de demandar a metade do nitrogênio para ter o mesmo rendimento”, completa ela.
Júlia é orientada pelo professor Roberto Fritsche Neto, do Departamento de Genética da Esalq. O docente coordena o Laboratório de Melhoramento de Plantas Alógamas. As pesquisas do laboratório tem dois objetivos: compreender a genética e o melhoramento de plantas em condições de estresse abiótico – ligado principalmente às condições ambientais – e desenvolver um banco de material genético de milho tropical que seja mais eficiente no uso de nitrogênio.
“Buscamos desenvolver modelos e métodos de predição genética, os quais irão auxiliar no desenvolvimento de cultivares mais adaptados (produtivos e estáveis) aos ambientes atuais e futuros. Consequentemente, aumentar seguridade alimentar e reduzir custos de produção”, detalha Fritsche Neto.
Agricultura de precisão
Durante o mestrado em Engenharia de Sistemas Agrícolas na Esalq, o engenheiro agrônomo Rodrigo Gonçalves Trevisan atuou com a eficiência de nitrogênio no cultivo do algodão. Agora, no doutorado na University of Illinois Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, ele se aproxima das técnicas de seleção genômica, buscando aprimorar o conhecimento sobre doses, momentos e ferramentas adequadas para aplicar o nitrogênio à planta. Tudo isso com ajuda da bioinformática.
Ele trabalha com experimentos instalados direto nas fazendas e utiliza sensores acoplados em drones que simulam a demanda de um insumo em cada planta. “Após a colheita, tenho a resposta com relação à dose aplicada, ao rendimento da planta, com informações que podem ser cruzadas de acordo com fatores diversos como clima, por exemplo”, explica Trevisan.
Dispor de informações sobre cada planta significa trabalhar em uma escala de análise mais refinada, que permite aos engenheiros agrônomos abandonarem as recomendações genéricas e oferecerem indicações personalizadas para os produtores agrícolas. “Com a agricultura de precisão, passamos a desenhar um mapa de produtividade de maneira que conseguimos construir um banco de dados robusto e obter algoritmos especificamente calibrados para aquele talhão, considerando cada condição”, diz o pesquisador. “Isso possibilita que cada produtor tenha em mãos as reais condições da sua fazenda”, acrescenta.
Inovações já são realidade?
Para trabalhar com informações na escala da planta, é essencial possuir equipamentos e contar com a ajuda da bioinformática. A produção científica registra ganhos sensíveis com o investimento em tecnologia. “Como um experimento ocupa uma grande área, o trabalho que antes era realizado por oito pesquisadores aqui do laboratório, durante uma semana, hoje resolvemos com o drone em apenas uma tarde. E o resultado obtido não é subjetivo, pelo contrário”, diz a geneticista Júlia.
Segundo Trevisan, tecnologias de melhoramento genético como a fenotipagem de alto rendimento já são o presente em pesquisas envolvendo culturas de alto valor agregado, a exemplo dos citros, do café e do milho. Ele entende que há oportunidades para o desenvolvimento de novas ferramentas que atendam a demanda de individualização por planta. Entretanto, a transferência de tecnologia ao campo ainda é um obstáculo a ser vencido.
O próprio engenheiro agrônomo tem trabalhado dentro dessa perspectiva. Ele é sócio-proprietário de uma startup chamada Smartagri, que utiliza técnicas de inteligência artificial para tomada de decisões. Ele afirma que a automatização diminuiu os custos com repetições de análise em até 100 vezes.
“Temos um projeto de controle de plantas daninhas. Sensores instalados a cada metro de barra do pulverizador detectam a presença das daninhas a cada 20 cm e tomam a decisão de aplicar ou não insumos. Isso tem proporcionado economia de até 95%, já que, se não temos plantas daninhas em toda a extensão, não temos porque desperdiçar fertilizantes”, conta Trevisan.
A produção em 2050
Os jovens cientistas da Esalq divergem quando o assunto são suas previsões a respeito do desafio colocado pela FAO: será possível alimentar toda a população mundial em 2050?
Trevisan acredita que as novidades tecnológicas nos campos da geração de energia, do melhoramento genético e do manejo não apenas serão capazes de garantia a segurança alimentar de 9 bilhões de pessoas em 2050, como também trarão alimentos com melhor qualidade nutricional. “Eu acredito que com o tipo de tecnologia que hoje estamos desenvolvendo, tão disruptiva, permite projetar um cenário de expansão exponencial da produção agrícola. Ao invés de pensarmos em um aumento de 5% a cada ano, quem sabe podemos imaginar dobrar a cada ano ou algo nessa dimensão”, projeta o engenheiro agrônomo.
Já Júlia é mais conservadora quando imagina o futuro. “O problema não vai deixar de existir, mas acredito que em uma escala muito mais branda. Identificamos o problema, provavelmente uma crise de abastecimento deve ocorrer, mas a comunidade científica começou a tomar decisões para que ele seja o mais mitigado possível. Aumentar a produção em uma mesma área, deixando de impactar outras, já é uma realidade possível. Estamos nos preparando bem para que o cenário não seja tão assustador quanto imaginávamos”, diz a geneticista.
Com informações de Caio Albuquerque/Divisão de Comunicação da Esalq