Água residual da indústria pesqueira é aproveitada na irrigação agrícola

Utilizada no cultivo de alface, proposta é uma alternativa ao descarte do líquido sem tratamento diretamente no meio ambiente

 02/04/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 26/04/2019 as 12:17
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Análises microbiológicas mostraram baixa presença de bactérias (coliformes e salmonela) dentro do limite preconizado pela Anvisa – Foto: Arquivo pessoal do pesquisador

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Pesquisa propõe reutilização da água residual proveniente das indústrias de pescado para irrigação na agricultura. Seria uma alternativa ao descarte do líquido de processamento de pescados (principalmente na etapa de higienização) diretamente no meio ambiente, o que causaria contaminação do solo, lençol freático e danos à saúde humana. Os testes foram feitos com sementes e mudas de alfaces. Depois de crescidas, as hortaliças mantiveram boa qualidade para consumo humano. O estudo é de autoria do engenheiro agrônomo Felipe Morais Del Lama, que defendeu mestrado em novembro de 2018, no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP.

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A agricultura e a indústria são os setores que mais consomem recursos hídricos no planeta. As indústrias de alimentos, que precisam garantir a qualidade sanitária de seus produtos, são vorazes na demanda de água. Em entrepostos de tilápia, por exemplo, para cada quilo de peixe processado, são utilizados 15 litros de água, em média. Nesse processo, apenas as etapas de higienização respondem por aproximadamente 40% do consumo, explica Del Lama. Diante dessa perspectiva, o engenheiro pensou em soluções que pudessem dar utilidade a esses fluidos líquidos gerados no final do processamento. Desejava mitigar a degradação ambiental e, quem sabe, trazer benefícios econômicos para as indústrias, uma vez que esses resíduos líquidos poderiam ser comercializados para irrigar plantações de fazendas que estivessem logisticamente próximas aos entrepostos de pescado.

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Ensaio de irrigação das alfaces na casa de vegetação do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, realizado pelo engenheiro agrônomo Felipe Moraes Del Lama – Foto: Arquivo pessoal do pesquisador

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Ensaios em alfaces crespas

A alface é uma das plantas mais estudadas em testes de toxicidade por ter rápida germinação e por ser bastante sensível a contaminantes ambientais. Del Lama utilizou-as em seus ensaios científicos: precisava saber o quanto que elas resistiriam se fossem irrigadas com a água residual de pescado sem tratamento, contendo altas concentrações de material orgânico e de microrganismos.

Os testes foram feitos com base nas concentrações de resíduos – considerando os limites máximos de duas bactérias patogênicas (coliformes e salmonela) permitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – a fim de verificar qual seria o nível mais recomendado para irrigação das sementes e das mudas. Os ensaios foram realizados com água ultrapura (tratamento controle), com efluentes bruto e tratado em diversas concentrações (25%, 50%, 75% e 100%). O efluente bruto foi coletado diretamente das etapas de produção industrial; o efluente tratado, por sua vez, teve sua origem em uma estação de tratamento pertencente à própria indústria.

Felipe Moraes Del Lama, pesquisador e autor do estudo – Foto: Arquivo pessoal

Os resultados foram promissores: as sementes não sofreram nenhum prejuízo e germinaram normalmente em qualquer que fosse a proporção utilizada. Já as mudas de alface não resistiram à irrigação com água residual sem tratamento. Apresentaram significativa taxa de mortalidade aos 15 dias após a semeadura, e mortalidade drástica, aos 30 e 60 dias após a semeadura. Porém, quando foram irrigadas com o efluente tratado, o resultado mudou. Responderam melhor nas concentrações de 25% e 50%. Nos outros dois tratamentos com o efluente tratado (75% e 100%), observou-se menor crescimento vegetal.

Nas análises microbiológicas realizadas nas folhas de alface irrigadas com 25% e 50% do efluente tratado, observou-se que os resultados para a presença de bactérias (coliformes e salmonela) permaneceram dentro do limite preconizado pela legislação brasileira, o que indicaria que as hortaliças poderiam ser consumidas com segurança por seres humanos, relata o pesquisador.

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Embora satisfeito com os resultados, o engenheiro faz um alerta quanto ao controle sanitário de produtos agrícolas brasileiros. Segundo o pesquisador, além de coliformes e salmonelas, que já são vistoriados pela Anvisa, existem outros microrganismos que podem causar sérios danos à saúde pública. Cita como exemplo as bactérias Shigella e Vibrio cholerae. “Os ovos desses últimos microrganismos têm alta capacidade de aderência às folhas, o que dificulta a remoção deles mesmo depois da lavagem”, diz. Como proposta, sugere a reformulação da legislação brasileira, de modo a contemplar maior número de microrganismos para fins de qualidade e consumo dos produtos comercializados.

A dissertação de mestrado Aproveitamento da água residual do processamento do pescado em irrigação foi defendida no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, sob orientação de Marilia Oetterer.

Mais informações: e-mail felipemdellama@hotmail.com, com Felipe Morais Del Lama


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