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Descoberta proteína de fungo que modula resposta imune do hospedeiro, importante na infecção
“Aspergillus fumigatus” é responsável por 90% dos casos de doença pulmonar fúngica, que é tratável, mas pode ser fatal a pessoas com problemas de imunidade
Estudo publicado na Nature Microbiology identificou, em esporos do fungo Aspergillus fumigatus, uma enzima responsável por atrasar a resposta imunológica e facilitar a infecção no hospedeiro. O achado pode representar os primeiros passos para a compreensão e o combate da doença fúngica ainda na fase inicial da infecção. O trabalho foi coordenado por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP.
A equipe reuniu pesquisadores da USP e de centros de pesquisa da Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, que analisaram o proteoma (conjunto de proteínas) de quatro espécies de fungos do gênero Aspergillus e detectou 62 proteínas exclusivas da superfície conidial (esporos assexuais) do Aspergillus fumigatus. A partir dos testes com esse conjunto de proteínas, uma chamou a atenção: a glicosilasparagina, por modular as respostas de defesa imunológica do hospedeiro.
O resultado foi observado em modelo animal (camundongos) imunocompetente (organismo capaz de combater os microrganismos) de doença fúngica.
De acordo com os pesquisadores, o resultado sugere que a glicosilasparagina age retardando a ação imunológica do hospedeiro para que o fungo tenha tempo para iniciar e consolidar a sua infecção antes de ser detectado e combatido.
Segundo Camila Figueiredo Pinzan, pesquisadora da FCFRP e autora do estudo, esta é a primeira vez que a função dessa enzima é descrita em fungos. Em humanos, a mutação do gene que produz essa enzima causa uma rara doença neurodegenerativa, a aspartilglucosaminúria, que ainda não possui tratamento. A doença é gerada pelo acúmulo da enzima em vários tecidos do corpo humano, incluindo o sistema nervoso, o que contribui para o atraso no desenvolvimento, problemas psicomotores, deficiência intelectual e morte prematura.
Gustavo Henrique Goldman, professor da FCFRP e coordenador da pesquisa, afirma que os estudos “são fundamentais para compreender como os fungos causam infecção e possibilitam identificar novos potenciais alvos para o desenvolvimento de medicamentos”, diz. “Os conídios [esporos] representam a célula do fungo que faz o primeiro contato com o sistema respiratório humano e inicia a infecção. Esse trabalho pode representar os primeiros passos para no futuro, quem sabe, sermos capazes de combater a invasão ainda numa fase inicial”, completa.
Segundo o Ministério da Saúde, o Aspergillus fumigatus é responsável por 90% dos casos de infecção por aspergilose, também conhecida por “fungo no pulmão”. Os sintomas incluem tosse persistente com presença de catarro ou sangue, dificuldade ao respirar, dor no peito, febre acima de 38ºC e perda de peso. A principal forma de contágio é a inalação, sendo que o fungo pode ser encontrado em matérias orgânicas em decomposição. Em pacientes imunossuprimidos e hospitalizados, a aspergilose pode ser fatal. Por isso, é importante evitar a exposição direta ao fungo, utilizar máscara facial e lavar as mãos com água e sabão após a exposição ao material ou solo contaminado.
Enzima engana sistema imune que produz pouca defesa
Para o estudo, os pesquisadores analisaram as proteínas superficiais de quatro tipos de Aspergillus: dois muito próximos filogeneticamente a A. fumigatus, mas que não causam infecções (A. fischeri e A. oerlinghausenensis); um outro responsável pela infecção mais leve da doença e mais distante filogeneticamente (Aspergillus lentulus) e, também, o tipo mais grave (Aspergillus fumigatus).
Eles obtiveram as amostras dos proteomas (conjunto de proteínas) dos fungos, através de uma “raspagem” das proteínas da superfície dos esporos com a protease tripsina, um tipo de enzima usada para identificação de proteínas. “Os peptídeos obtidos permitiram a identificação das proteínas da superfície dos conídios através de espectrometria de massa”, informa o professor Goldman sobre a técnica que identifica e “mede” a massa de moléculas.
Com a análise, foi possível identificar as 62 proteínas exclusivas do A. fumigatus e, após outros testes, verificar o papel de destaque da enzima glicosilasparaginase sobre o sistema imunológico do hospedeiro.
Para isto, usaram dois grupos de camundongos: o primeiro grupo foi infectado com o fungo em sua versão selvagem, ou seja, com a glicosilasparaginase ativa; e o segundo, com uma versão mutante, sem a proteína.
Conta o professor Goldman que foi observado, no primeiro grupo de camundongos, uma baixa produção de citocinas inflamatórias, proteínas responsáveis pela sinalização de organismos invasores, importantes para a resposta inflamatória e para a regulação do sistema imunológico, permitindo a disseminação e o crescimento do fungo.
Enquanto isso, no grupo infectado com a versão mutante, houve grande quantidade de citocinas inflamatórias liberadas e menor carga fúngica no pulmão, comparada com a do primeiro grupo, indicando que o fungo teve mais dificuldade para espalhar a infecção no organismo do animal.
Agora, a equipe segue estudando as demais proteínas identificadas na superfície dos conídios, como as exclusivamente detectadas em Aspergillus fumigatus, para entender mais sobre a doença e as possíveis formas de tratamento ou prevenção. “Os estudos apontam a necessidade de uma perspectiva mais ampla da virulência fúngica, com a identificação de determinantes genéticos importantes para a evasão e a modulação da resposta imune do hospedeiro”, afirma Goldman.
*Estagiária com orientação de Rita Stella
Mais informações: ggoldman@usp.br, com professor Gustavo Goldman
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