USP desenvolve técnica que identifica bebidas alcoólicas falsificadas
Foco da inovação, desenvolvida no campus de Ribeirão Preto, são os compostos orgânicos voláteis, substâncias que viram gás em contato com o ar e servem como impressão digital química das bebidas
Fotomontagem com imagens de Freepik por Adrielly Kilryann/Jornal da USP
O comércio de bebida alcoólica falsificada além de colocar em risco a saúde dos consumidores faz o Brasil perder anualmente bilhões de reais em impostos. A quantidade de ilícitos representa em torno de um quarto de toda a venda de destilados, mas a ciência vem no encalço do problema e, dos laboratórios da USP, em Ribeirão Preto, acaba de sair uma nova técnica capaz de apontar essas fraudes.
Para os estudos de seu mestrado em toxicologia forense, o químico Victor Luiz Caleffo Piva Bigão, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, desenvolveu um método que torna possível analisar os componentes orgânicos voláteis, substâncias químicas presentes nos destilados que passam facilmente da fase líquida para a gasosa por possuírem uma pressão de vapor elevada. O método, sugere o pesquisador, pode ser utilizado em exames de distinção, por exemplo, de uísques autênticos dos adulterados, o que auxilia na comprovação de fraudes.
O químico juntou duas técnicas, a cromatografia (que separa e analisa misturas de substâncias voláteis) acoplada à espectrometria de massa (que detecta e identifica a estrutura química das substâncias), para examinar bebidas alcoólicas apreendidas sob suspeita de fraude e adulteração, em 2020 e 2021, cedidas pela Superintendência da Polícia Civil Técnico-Científica de Minas Gerais. Para comparação, os pesquisadores analisaram, com o mesmo método, amostras autênticas das bebidas.
O pesquisador Victor Luiz Caleffo Piva Bigão desenvolveu o estudo em seu mestrado em toxicologia forense - Foto: Arquivo pessoal
Impressão digital química de bebidas
As bebidas alcoólicas são compostas com uma variedade de substâncias (água, etanol, outros álcoois, açúcares, ésteres e, até mesmo, metais). Algumas peculiaridades, conta o químico, como o tipo de grão (cereais utilizados), barris de envelhecimento e etapas do processo produtivo, conferem perfil muito distinto a um uísque autêntico. Estas peculiaridades dificultam a simulação pelos adulterados. “Uma bebida que foi forjada a fim de simular um uísque autêntico pode carecer do controle de qualidade e das etapas necessárias para a produção, o que pode refletir em um perfil composicional incompatível com o exemplar autêntico e, possivelmente, apresentar ausência de compostos que estão presentes em uma amostra original”, diz.
A análise dos compostos orgânicos voláteis dessas bebidas pode então ser utilizada como uma “impressão digital química” que distingue os uísques autênticos dos suspeitos. Esta análise dos compostos voláteis “reflete a composição complexa da amostra e que pode estar relacionada à autenticidade de um produto”, afirma Bigão.
Segundo o pesquisador, essa impressão digital revela o conjunto de “substâncias químicas que é característico de um uísque de determinada marca e modelo” e pode auxiliar na identificação dos fraudulentos. “Como o uísque possui uma grande variedade de substâncias em sua composição, o nosso método foca na análise dos compostos orgânicos voláteis.”
Danos à saúde
As bebidas destiladas fraudadas, como o uísque e a cachaça, representam aproximadamente cinco bilhões de reais de prejuízo para os cofres públicos. Para o professor Bruno Spinosa de Martinis, do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, responsável pelo Laboratório de Toxicologia Analítica Forense e orientador do trabalho, além dos prejuízos econômicos, preocupam também os danos para a saúde pública.
Quando adulteradas, as bebidas podem “apresentar compostos não inspecionados e em concentrações tóxicas ao organismo, como é o caso do metanol, que pode causar náuseas, vômitos, cegueira, ou até mesmo a morte”, alerta o professor.
Bruno Spinosa de Martinis - Foto: Reprodução/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Os pesquisadores acreditam que a tecnologia que analisa esses compostos voláteis deve ajudar a barrar o comércio dessas bebidas, já que pode “auxiliar no conjunto de análises físico-químicas necessárias para que o perito emita o laudo pericial, que é responsável pela materialização da prova de delito de adulteração e falsificação de substância alimentícia, conforme o artigo 272 do Código Penal Brasileiro”.
Ainda, segundo os pesquisadores, a técnica poderia ser aplicada pela polícia científica ou por laboratórios pertencentes a órgãos fiscalizadores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “O método de análise já está desenvolvido e validado para ser aplicado em exames de constatação de autenticidade de bebidas. Para sua implementação na rotina laboratorial, são necessários profissionais que atuam na área de cromatografia, a disponibilidade de equipamentos para análise cromatográfica em fase gasosa, os materiais para a parte de extração dos compostos voláteis e os solventes laboratoriais apropriados.” Após a apresentação da dissertação de mestrado do químico, o método será enviado para publicação nos periódicos da área forense e estará disponível para consulta.
O trabalho Design of Experiments as a tool for HS-SPME-GC-MS method development applied to qualitative analysis of volatile alcohol congeners in seized whiskeys, rendeu ao aluno o prêmio na categoria Jovem Toxicologista 2022 de Melhor Apresentação em Formato de Pôster no 22º Congresso Brasileiro de Toxicologia, da Sociedade Brasileira de Toxicologia, realizado em maio deste ano.
O estudo teve a colaboração de Bruno Ruiz Brandão da Costa, Nayna Cândida Gomes, Pablo Alves Marinho e Jonas Joaquim Mangabeira da Silva.
Mais informações: e-mail martinis@usp.br, com o professor Martinis
Ouça no player abaixo entrevista de Victor Luiz Caleffo Piva Bigão e do professor Bruno Spinosa de Martinis ao Jornal da USP no Ar
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