Usuários do transporte público usam máscara na plataforma do trem da Linha 9 Esmeralda da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM, em Pinheiros, São Paulo - Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil

Bilhetagem eletrônica, GPS, celulares: tecnologia ajuda a entender como os mais vulneráveis usam o transporte público em São Paulo

Pesquisas do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) mostram como o poder público pode promover melhores condições de mobilidade da população mais vulnerável

 14/02/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 16/02/2022 as 13:57

Autor: Guilherme Gama

Arte: Ana Júlia Maciel

No transporte público, o tempo que se leva diariamente do trabalho ou da faculdade para casa interfere diretamente na qualidade de vida do passageiro. Pensando nisso, através do sistema de GPS e de bilhetagem eletrônica (de pagamento digital), pesquisa da USP identifica diferentes grupos de passageiros e os associa a perfis sociais, de modo a compreender as formas de deslocamento entre as classes mais altas e baixas de São Paulo. Com o mesmo objetivo, outro estudo desenvolveu uma análise espacial e temporal de dados de telefones celulares e de geocodificação de dados do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e possibilitou a identificação de diferentes padrões nas viagens diárias dos moradores de favelas da capital paulista. Ambas as pesquisas sugerem métodos de entender a mobilidade urbana da população mais vulnerável, como forma de intervir e aprimorar o serviço de transporte público. 

Os estudos são do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), sediado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que reúne pesquisadores dedicados a estudar a dinâmica social e espacial do cenário urbano. Os artigos Measuring mobility inequalities of favela residents based on mobile phone data Big data for big issues: Revealing travel patterns of low-income population based on smart card data mining in a global south unequal city foram publicados na plataforma ScienceDirect, em abril e outubro de 2021, respectivamente.

GPS, Bilhetagem eletrônica e mobilidade urbana

Foto: Reprodução

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A maneira de estudar os padrões de deslocamento de viagens dos usuários de transporte coletivo encontrada por Caio de Borthole Valente Pieroni, consultor e mestre em Engenharia de Transportes pela Escola Politécnica (Poli) da USP, foi através do sistema de GPS de cada ônibus e dos dados de bilhetagem eletrônica. Essa forma de pagamento eletrônico, aderido aos transportes públicos de São Paulo, produz informações sobre as viagens de cada passageiro a cada cobrança. Ainda que esse sistema tenha se popularizado nos estudos urbanos, a maioria dos trabalhos na área analisa regiões predominantemente desenvolvidas, com baixos níveis de desigualdade, diferente das regiões periféricas — onde grande parcela é de baixa renda e depende do transporte público. 

Valente conta ao Jornal da USP que a ideia da pesquisa foi contribuir na discussão da mobilidade para a população mais vulnerável da cidade, residentes em assentamentos precários, em que a estrutura urbana enfrenta um descompasso espacial, com segregações residenciais de baixa renda associadas a políticas de transporte desvinculadas de uma perspectiva de equidade.

Os dados de 11 semanas de bilhetagem eletrônica e do GPS dos veículos, fornecidos pela São Paulo Transporte (SPTrans), representaram aproximadamente 9,5 milhões de cartões únicos no sistema, com aproximadamente 803 milhões de transações no período.

Caio de Borthole Valente Pieroni – Foto: Arquivo Pessoal

A cidade foi dividida em quatro áreas de assentamentos precários e outras quatro de áreas de classe média alta e, com auxílio de um algoritmo, foram identificados grupos de passageiros com perfis semelhantes, para se avaliar e comparar seus padrões espaço-temporais.

Os resultados mostram que foi possível identificar os perfis para entender a dinâmica urbana no transporte público. Há grupos que se deslocam para áreas com concentração regular de empregos e, pelo menos, dois grupos apresentaram características que sugerem associação com emprego de baixa remuneração. De acordo com o estudo, a maioria dos moradores de baixa renda dos assentamentos de São Paulo iniciam sua primeira viagem entre 5h e 7h, enquanto a maioria dos moradores de áreas de classe média alta, mais tarde: entre 7h e 9h. “Essas informações trazem um valor agregado ao planejamento de transportes especialmente com foco na população de baixa renda”, completa o autor. 

Espera-se que os dados gerados na pesquisa possam ser utilizados pelo serviço público para melhorar a mobilidade urbana. “Esses clusters podem ser mais bem investigados em trabalhos futuros para ajudar as autoridades de trânsito a reavaliar seus serviços atuais nessas áreas e fornecer-lhes um serviço mais adequado e confiável, com tempos de viagem reduzidos, ou para reavaliar os serviços no nível estratégico de transporte, planejando projetar novos serviços para as áreas de acordo com seus destinos”, afirma ao Jornal da USP.

Na visão de Valente, os padrões temporais, juntamente com a dimensão espacial da análise, podem constituir uma ferramenta para planejamento de frequências de serviços. A partir dos resultados de processamento e formação de grupos, pode-se chegar a informações sobre passageiros, como sobre sua renda, características de uso do solo, distâncias de viagem, tempo entre transações, padrões de frequência e tipos de trabalho. 

Celulares, IPTU e gestão pública

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

“O tempo perdido nos transportes públicos pode afetar o desenvolvimento das pessoas, pois poderia ser usado para educação, lazer ou saúde”, afirma André Leite Rodrigues, geógrafo e meste em Engenharia de Transportes pela Poli. E, para ele, mensurar os deslocamentos de maneira dinâmica é extremamente importante para um planejamento urbano que possibilite diminuir o tempo de deslocamento cotidiano. 

Também com o objetivo de criar um método rápido e de fácil atualização para mensurar as desigualdades nos deslocamentos cotidianos entre moradores de áreas precárias e de classe média alta, Rodrigues analisou os dados do serviço de telecomunicações. Ao longo de um mês, foram coletados os dados de uso de celulares em São Paulo, focados nas áreas vulneráveis, a partir da seleção pela Estações Rádio Base (ERB), cujo sinal abrange a cidade. Desses celulares, foi obtido o dado de posicionamento, seguido de um processo para garantir o sigilo pessoal e anonimização de todos os registros e usuários. 

André Leite Rodrigues – Foto: Arquivo Pessoal

O pesquisador destaca que nenhuma informação cadastral foi utilizada para identificar os indivíduos: os celulares e usuários receberam um ID criado apenas para pesquisa e as informações de posicionamento foram generalizadas em uma grade de 200 metros quadrados — o que não permite a identificação do local exato de uso. Além disso, coletou-se informações sobre data e hora das posições dos usuários. Também foram usadas informações de geocodificação de dados do IPTU, disponibilizados pelo GeoSampa, da prefeitura de São Paulo.

O estudo mostrou que, durante o horário comercial, os moradores de favelas estão, em média, mais distantes de seu local de residência do que os outros. “Isso mostra de maneira mensurável e de fácil atualização onde a gestão pública pode atuar para reduzir os impactos do deslocamento cotidiano”, completa.

“Muito mais do que olhar para uma fotografia no tempo, o uso de big data para analisar os deslocamentos de um grande grupo é mais barato e dinâmico de atualizar do que uma pesquisa em campo com entrevistas e, se forem tratados da maneira correta, são seguros e garantem o anonimato das informações individuais”, afirma o autor. Segundo ele, o estudo pode ser um aliado do planejamento urbano e implicar novas formas de gestão pública, de modo a reduzir o tempo das viagens, melhorar as condições dos habitantes e diminuir as desigualdades.

Mais informações: e-mails andreleiterodrigues@gmail.com, com André Leite Rodrigues, e caiobvpieroni@gmail.com, com Caio de Borthole Valente Pieroni


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